“Não vendo drogas. Vendo livros”

Alguém um dia afirmou: “um país se faz com homens e livros”.

E eu acrescento ao dito: “desde que sejam homens que saibam ler.”

De nada adianta vivermos numa nação de iletrados, onde a educação não é tratada com respeito, onde livros são considerados coisas e loisa obsoletas, esse amontoado de letrinhas unidas lado a lado, como um batalhão de soldados enfileirados, compõem um compêndio recheados de sábios ensinamentos, e não meros excrementos que são dejetados num vaso sanitário, neste país onde livros são mal amados, salvo por algumas irrisórias exceções, onde a maioria prefere a internet, recheada de termos grotescos, abreviações sumárias, expressões desconhecidas por um português castiço, como se fala em Portugal.

“A última flor do Lácio inculta e bela,” é o primeiro verso de um poema de Olavo Bilac. Trata-se de um soneto.

Que também compôs o hino à bandeira do Brasil.

“Salve, lindo pendão da esperança. Salve, símbolo augusto da paz! Tua nobre presença à lembrança. A grandeza da pátria nos traz.”

E que grandeza é esta? Cujos governantes alardeiam a incultura. E tentam denegrir a imagem da nação brasileira. Com suas propinas ilegais. Dizem que cada povo tem o governo que merece. Talvez mereçamos sim tal desgoverno. Já que pouco contribuímos para que nosso país saia da letargia de nossa falta de discernimento entre o certo e o errado. Devemos sim erradicar as ervas daninhas. Uma delas, talvez a maior, que tenho por mim, seja em verdade a falta do costume de ler. Muitos consideram o preço de um bom livro caro. No entanto pagam mais de cem reais por uma cerveja num botequim infecto, ingerindo tira gostos de sabor duvidoso, que no dia seguinte são expelidos na privada, depois de uma noite passada em claro, com gosto de cabo de guarda chuva na latrina de sua bocarra fedorenta.

Eu mesmo já tive momentos de pura frustração. Foi quando um serviçal amigo, funcionário deste mesmo prédio onde tenho a minha oficina de trabalho, entregou-me, contrafeito, um dos livros de minha lavra, com uma dedicatória inspirada feita a alguém, perdido no saco de lixo, entre sucatas, ainda em bom estado. Não faltavam folhas. Até mesmo a capa, a orelha, conservavam-se intactas.

Não tive como expressar-lhe, naquele átimo de segundos, a minha insatisfação, o meu repúdio, por aquele ato falho. Simplesmente ao meu amigo faxineiro perguntei, se em sua casa, porventura, tivesse algum filho que apreciasse uma boa leitura. No que ele dissesse que sim, logo o presenteei com aquele exemplar. E elezinho me agradeceu com um sorriso de contentamento em sua boca perfilada de dentes clarinhos, com a água de um mar sereno.

Tenho por hábito, sempre que lanço um livro novo, são passados alguns anos que isso não acontece, talvez este derradeiro seja meu último dos moicanos, aprendi, depois de tantos desenganos, que não vale a pensa, já que minhalma não se apequena, tentar desovar da minha estante, repleta de volumes novinhos, alguns exemplares apenas.

Saio com uma bolsa amarronzada dependurada em meu ombro, pelas ruas da cidade, tentando passar adiante unzinho livro de minha coleção, neste interregno são dezoito, mas, dentre todos os inquiridos, se por acaso gostariam de comprar meu livro, por uma modesta quantia de cinquenta reais, ele, sem entender uma palavra do que falo, pede mil desculpinhas esfarrapadas, e diz que tem pressa. Que na próxima vez promete que vai sair a rua com uma nota de alguns trocados.

Eu sigo adiante. Não digo que não o perdoo. Entre tantas negativas quem sabe algum dia consiga entrecruzar-me com algum interessado numa boa leitura. E me compre esse livro que me proporcionou um indizível prazer por tê-lo escrito.

Um dia, faz algum tempo esta história, após o lançamento de mais uma obra literária, quando deixava a minha casa, não o apartamento onde hoje me hospedo, com alguns livros a serem vendidos, um aparentado, meio avexado com minha conduta, tentou demover-me da minha iniciativa.

“O senhor não tem vergonha de vender livros? Andando pelas ruas com esta pasta preta como asa de urubu”?

“O senhor é médico. Não se avexa de sair por aí nesta empreitada muitas vezes malograda? Vê se te enxerga”?

Naquela horinha ingrata, pensei numa resposta à altura da baixa envergadura cultural daquela pessoinha inculta, mais ainda que a última flor do Lácio, a qual decantou o poeta Bilac.

“Não vendo drogas. Vendo livros”.

Não sei o final de nosso desagradável colóquio. Só sei que penso tê-lo colocado em seu devido lugar. Ao rés do chão. Ou dentro de uma pocilga recheada de porcos obesos. Após a sua capação.

 

 

 

 

 

 

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