E como me lembro dela

Ontem descobri uma fotografia antiga escondida entre meus papéis.

Lá estávamos nós. Meu irmão e eu, e ela, minha querida mãe, numa data especial.

Era o lançamento do meu segundo livro. Aquele que estampa um ipê amarelo na capa da frente.

Talvez tenha sido este o último lançamento em que ela estava presente. Depois veio o terceiro exemplar. Pena que ela já havia deixado entre nós uma lacuna impreenchível.

Quem sabe de onde ela está ainda possa admirar seu filho mais longevo a continuar a escrever. Com este somam já dezoito. Quem saberia dizer quantos mais serão editados até quando a vida me levar para outro canto desta existência? Já tenho preparadas mais uma coletânea de crônicas a serem impressas quem sabe ainda este ano. Só o futuro irá dizer.

É preciso coragem para editar livros. Não só pelo custo de cada volume, como também pela ausência de compradores. Livros, de autores desconhecidos, encalham nas prateleiras como barcos em bancos de areia durante a estiagem.

Este livro, quando minha querida mãe esteve presente, naquela fotografia entre eu e meu irmão, traz na sua orelha esta inscrição que transcrevo tal e qual a escrevi.

“Entre uma consulta e outra afloram as crônicas. Elas nascem naturalmente. Em tempo médio de duas horas podem ser concluídas. Relidas, repensadas. Não têm inicio súbito. Da mesma forma que não podem ser encomendadas a gosto do freguês. A inspiração é insidiosa como as doenças e surge às vezes durante as madrugadas. Sem motivo aparente. Ao assistir a um filme ou ler um jornal.

O consultório médico é um farto manancial e seu dia um celeiro de matérias. O tempo escasso sempre pode ser ajustado. O que não pode faltar é a alegria de escrever. O hábito faz o monge. A prática nos leva a inatingível perfeição.

O autor, na estrada da urologia há exatos vinte e cinco anos, descobriu, após os cinquenta, uma outra atividade extracurricular e uma vocação com propriedades medicinais miraculosas, antiestresse por excelência. Considera o exercício de escrever uma terapia e uma forma de se apurar na percepção dos casos de sua rotina diária. Ou de amenizar suas angústias. Praticar a ciência médica com sensibilidade aproxima o médico do escritor.

Este talvez seja meu último livro. As próximas matérias prefiro vê-las entre meus guardados para consumo próprio. Meu sonho é levar esta vocação aos escritos a minha filha Bárbara. Talvez a minha sucessora”.

Aquela fotografia colorida, onde estávamos nós três, ontem a descobri sem querer.

E como me lembro dela. Com seu carinho e desvelo dedicado a nossa familia. Com a sua paciência nos tempos da enfermidade do meu saudoso pai.

Minha mãe sempre vai ser lembrada. Hoje e sempre. Mesmo que a nossa casa agora está reduzida a um lote vazio.

Sua presença, não apenas nas fotografias, que trago na minha estante, nunca deixou de iluminar meus dias. Um dia estarei junto dela. Não no jazigo onde seus restos mortais descansam. E sim no céu onde espero, quem sabe quando, terei coragem de lançar outro livro.

Tendo ao meu lado não apenas ela. Assim como meu querido pai.

 

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