Não mais conto anos…

Antes, quando tinha meus cinco anos, não via a hora de completar os dez.

Pensava, na minha pressa em atingir mais idade, que, a partir de então poderia me apaixonar de verdade.

Tudo, até então, não passava de um flertizinho inocente, já que aquela menininha de cabelos cacheados, olhinhos claros como o céu azul de hoje, não apenas me fascinava. E como elazinha me fazia pensar e suspirar, como ela era bonita. E atraía olhares cobiçosos da minha turminha de coleguinhas.

Penso não ser eu o motivo de seus olhares furtivos na hora do recreio. Eu era miudinho, embora fosse considerado aluno acima da média.

Uma vez mais tarde, com o tempo palrando com meus botões, não sei qual foi o seu destino.

Hoje eu a imagino ser avó. Cercada de uma ninhada de netinhos travessos. Aninhados em seu colo que um dia pensei seria o meu.

O tempo tem pressa. E a gente envelhece. Um dia nos aposentamos. Aquelas lembranças boas de um passado distante continua a nos lembrar de que o fim está próximo.

A partir de certa idade passei a não mais me olhar no espelho. Nem mesmo penteio o que restou dos meus cabelos. A antiga vaidade não faz parte da minha vetusta idade.

Depois que atingi meus sessenta anos não mais faço aniversário. Não mais assopro velinhas. Junto a minha velhinha me sinto feliz.

Pra que contar anos se eles cada vez mais indicam que o fim se avizinha? Melhor viver na incerteza do que cultivar a certeza que um dia a morte vem me buscar.

Não mais conto anos. Prefiro vencer os desenganos. Deixar pra trás as tristezas e saborear a alegria que a vida me traz.

Pra que contar anos se eles mal cabem nos dedos das duas mãos? Antes não via a hora de fazer aniversário. Ganhar presentes em dobro já que meus cumpleanos eram próximos à data de Natal.

Agora, já passado da idade, a mocidade ficou soterrada numa montanha de saudades, ai como foi dolorida a perda dos meus pais.

Já não mais conto anos. Eles me fazem lembrar das férias de fim de ano. Dezembro, faz tempo, passava quase dois meses inteirinhos na fazenda de um tio meu.

E como era feliz naqueles tempos longevos. Quando contava os dias, as horas que passavam sem pressa, para saborear os quitudes feitos por minha avozinha por parte de mãe. Naquela casa onde hoje mora o Edifício Rodartino Rodarte, edificado por meu saudoso pai.

Faço questão de não mais contar anos. A partir dos setenta, então, prefiro andar na contramão da idade. Não que me sinta a vontade de retornar no tempo. Se bem sabido, e um tanto ressabiado, que os anos não voltam mais eu me contento em viver alguns anos mais. Desde que a saúde não me abandone. Que os sonhos não deixem de serem sonhados.  Que a esperança de um dia ter de deixar pra trás tudo de bom que passou. As lembranças de quando era jovem.  E aqui cheguei, nesta cidade amada, com a bagagem repleta de sonhos. Muitos deles não concretizados.

A partir de agora, depois de tantos sonhos sonhados, de tantas noites em claro, posso dizer que não mais conto anos. Deixo, simplesmente, que a vida passe. Sem pressa, a passos lentos, vivendo sem pensar no sofrimento, apenas tendo a felicidade como companhia. Até quando?

Não mais conto anos. Nem o tempo que me resta a viver.

 

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