Depois da tempestade vem a maré mansa?

Hoje faz sol. Dias atrás chovia.

Antes tudo estava alagado. Pessoas ao desabrigo sofriam com as enchentes.

De repente fez-se o sol. Acordou com sua luminosidade incandescente.

Mal posso abrir as persianas da minha janela. A luz do sol entra janela adentro ofuscando-me as retinas.

Parece que a chuva vai serenar.  O sol novamente vai brilhar. E minhalma de novo desperta.  Minha alegria retorna. Pois dias cinzentos acinzentam-me por dentro.

Esta alternância entre sol e chuva é uma das maravilhas que a vida nos reserva. Depois da tempestade um arco íris se forma. E como é lindo observar, na linha do horizonte, aquela saraivada de cores vivas fazendo um arco. Parece um portal a iluminar o céu depois de uma chuvarada que caiu naquela noite escura.

Meu saudoso avô já dizia: “ depois da tempestade vem a  bonança”. Talvez ele quisesse dizer que após a aposentadoria vem o descanso merecido.

Já que a gente, quando trabalhamos  anos a fio, já envelhecidos, passamos a desfrutar tempos de ócio. Já meu saudoso pai sempre dizia: “o ócio é o começo do fim”.

Assim aconteceu com ele.

Tenho comigo que o trabalho não cansa. Eu me canso de ficar à- toa. Olhando pra cima. A espera que um dia as coisas melhorem.

Tenho como conceito que o trabalho rejuvenesce. Mesmo depois de anos e anos empunhando o bisturi. Agora faço o que me apraz. Acordo cedo. Não fico na cama mais do que algumas horas. Trago comigo que a noite é um desperdício de tempo. Não sei o que nos reserva o dia seguinte. Daí a minha compulsão pelo desfrute do dia que nasce.

Depois de quase cinquenta anos de formado, naquela turma de um mil novecentos e setenta e quatro, ainda me sinto capaz de fazer tudo que fazia dantes.

Só que agora sou dono  da minha agenda. Permito-me dar ao desfrute de ficar aqui, na minha oficina de trabalho, até quando minha vontade dita. Depois das três da tarde não faço questão de ser encontrado. Se precisarem de mim recorram ao celular. E, se ele estiver desligado, no dia seguinte com certeza me encontrarão. No mesmo lugar costumeiro. Aqui, no edifício das clínicas, sétimo andar.

Será que depois da tempestade em verdade vem a maré mansa?

Não foi bem isso que aconteceu a um amigo. Aposentado prematuramente. Antes dos cinquenta anos.

Ele era meu colega de farda. Não chegou a coronel. Ou nem mesmo a capitão.

Geraldo, graduada na mesma turma da faculdade de medicina, daquela Belo Horizonte que nem existe mais, depois de formado enveredou-se pelo interior.

Não tive noticias dele a não ser no dia de ontem.

Soube, pela boca de terceiros, que o Geraldo, um ano mais jovem do que eu, exerceu a medicina por apenas vinte anos. Não sei se cansado da profissão, ou por não apreciar a lida, acabou por mudar de vida.

Não mais ia aos hospitais. Resolveu dar um basta naquela vida difícil. Acordar no meio da noite, ser chamado as pressas para atender naquele pronto atendimento, dar plantão em muitas unidades de saúde, não fazia parte de sua predestinação.

Aos cinquenta anos, já envelhecido precocemente, resolveu se der ao luxo de aposentar.

A partir de então ficou de papo pro ar. Comprou um barco e passou a pescar.

Aos cinquenta e cinco anos perdeu a saúde.

Geraldo engordou alguns quilos a mais. Passou a fumar para passar o tempo.

Um dia, já dentro do rio, sentiu um apertume no peito. Foi internado as pressas no mesmo hospital onde trabalhou quando jovem.

Foi diagnosticado como portador da uma obstrução das coronárias. Por sorte não foi a óbito.

Naquela manhã, quando fui informado sobre o estado de saúde do colega Geraldo, soube que ele hoje está inválido. Não mais se levanta. Muito menos consegue se por de pé.

Ele está sob os cuidados de uma cuidadora de idosos. Internado numa casa de velhos. Entregue a própria sorte. Já que não teve a sorte de se casar ou ter filhos.

E depois dizem que depois da tempestade vem a maré mansa.

Daí a minha vontade de nunca deixar de trabalhar.

Não tenham dúvidas: “ o ócio, em verdade, é o começo do fim”.

 

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