Nada a lastimar

Tem gente que reclama à-toa.

Dos preços que sobem a cada dia. Dos desacertos da economia. A falta de empregos. A violência que se mostra em cada esquina. Da falta de perspectivas de crescimento que o país atravessa. Como se fosse só a gente a se lastimar.

Já eu, no entanto, prestes a inaugurar idade nova, apesar de ter deixado a infância pra trás, nada tenho a lamentar.

Bem sei ter sido aquinhoado pela sorte. Nada mais tenho a desejar. Já consegui tudo que queria. No próximo dia sete, deste mês que tem inicio, completo, sem festas ou celebrações, mais um ano de vida. Foi uma vida recheada de felicidade. Ela seria completa caso tivesse meus pais por perto. Mas não só de alegria a gente vive. Entremeado de instantes de felicidade existe, para que a valorizemos, momentos de tristeza conjunta. Ah!, se não fosse a tristeza como poderíamos saber como se escreve felicidade? Não apenas em letras maiúsculas ela se grafa. Em minha existência quantas vezes passei a olhar a morte, de perto, nesta profissão que deveria saber encarar a vida como ela fosse o único acontecimento previsto. Mas, a morte tem seus encantos. Em nossa sepultura são espalhadas flores do campo. E, em nossa lápide se deixam gravados, para toda a eternidade, frases que se perpetuam além de nosso passamento.

Fiz questão de escolher, no frontispício do túmulo dos meus pais as seguintes inscrições: “vidas se vão. Saudades permanecem. Exemplos como os seus se perpetuam”.

Até hoje, não sei o que será de agora em diante, não tenho do que me lastimar. Nasci sem desejar. Foi por pura inspiração dos meus pais. Cresci naquela casa onde recebi ensinamentos que até hoje os tenho comigo. Aprendi a respeitar pai e mãe. E poucas vezes fui repreendido. Os castigos que recebi foram por demais merecidos. Estudei nas melhores escolas. Fui aluno acima da média. Aprendi a respeitar os de mais idade. E como me sinto bem entre os mais jovens.

Quando me ausentei desta cidade para aqui retornei ávido por recomeçar vida nova. E não me desencantei com a profissão escolhida. Se pudesse faria tudo de novo.  Talvez um senão ou outro pudessem ser melhor resolvidos. Se fui omisso na profissão perdoem-me aqueles que por acaso foram mal atendidos.  A isso imputo a pressa dos velhos tempos. Tinha de varar noites a fio para reoperar casos que tiveram de voltar ao centro cirúrgico.

Não tenho em absoluto do que me lastimar. Talvez tenha ainda muitos anos pela frente. Ainda me sinto capaz de continuar a militância nesta árdua estrada da medicina. Só lhe peço, a alguém que me observa do alto, que tenha saúde bastante para continuar na lida.

Nesta data que se aproxima, de agora a alguns dias, quando estarei desaniversariando, que ainda tenha clarividência para saber identicar entre o mal e o bem. Este mesmo bem que desejo a todos vocês: amigos, leitores, afetos e desafetos. Bem sei que todos nós somos incapazes de agradar a todo mundo. Mas que pelo menos agrademos a maioria.

Até na presente data não tenho quase motivos para me lamentar. Só sinto, aqui dentro, um desejo enorme que a desigualdade não seja tão díspare. Que a fraternidade impere. Que as dificuldades se superem. Que este Natal, que se avizinha, seja pelo menos melhor para todos vocês. Já que quase não tenho motivos para lamentar, estendo este mesmo desejo aos amigos, conhecidos, afinados ou não. Que todos vocês sintam por dentro este mesmo sentimento que me cavouca a alma. Sem ressentimentos. Sem maiores motivos para lamentações.

Não se lastimem tanto. Procurem fazer deste mundo um lugar melhor para se viver.

 

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