Mais uma pedra no seu caminho

A gente nasce, cresce, envelhece, e tem de pular incontáveis pedras em nosso caminho.

Muitas são fáceis de ultrapassar. Outras, por serem grandes, causam enorme desconforto em nossa trajetória.

Já outras, pequeninas demais, pedrinhas que se deslocam pelas vias urinárias, tornam-se verdadeiros tropeços em nossa vida. E como elas doem na sua descida. Muitas encravam no seu trajeto. E o pobre portador de cálculos, como são chamadas aquelas pedrinhas, litíases na linguagem da medicina, passam a vida inteira ao dissabor de tal sofrimento.

Antes, nas lidas urológicas, quando aqui cheguei, era preciso dar um empurrãozinho naquelas indesejáveis pedrinhas para que elas fossem eliminadas. As menores eram facilmente expelidas. Já as de maior vulto necessitavam intervenções difíceis para que o paciente se visse livre delas.

Quantas e quantas vezes tive de remover pedras no seu caminho até o ponto final de sua trajetória. Elas, aquelas pedrinhas indesejáveis, nascem no rim. São de natureza familiar.

Quem uma vez teve uma pedra em seu caminho não fica livre da recorrência. A qualquer dia elas voltam. Causando o mesmo desconforto até a sua eliminação definitiva.

Já hoje as coisas mudaram. Não mudaram as pedras em nosso caminho. No entanto a forma do tratamento evoluíram.  Não mais se necessitam incisões enormes no flanco. O bisturi quase foi aposentado. As vias naturais por onde escorre a urina é a forma mais praticada em nossos dias. Por aí entra um caninho fino. Da uretra ao ureter, sob anestesia, o urologia é capaz de remover pedras enormes. O uso do laser se consagrou indubitavelmente. Já as operações feitas a céu aberto quase perderam a vez. Pena que estas modernidades são de alto custo. A maioria não tem o aval do sistema único de saúde.

Num dia destes me encontrei com um paciente a moda antiga. Ele já havia sido operado por mim um par de vezes.

O fato aconteceu há poucos dias. Ele estava à espera de outro especialista. A fim de se livrar de outra pedrinha que teimava em não sair.

Assim que ele me viu foi logo falando: “doutor. Outra pedra está encravada no mesmo rim de antigamente. O senhor se lembra de mim? Tenho aqui do lado esquerdo a prova incontestável de nosso conhecimento. E foi logo mostrando a enorme incisão da retirada da pedra antiga. Agora outra voltou. Causando-me o mesmo infortúnio. Até quando vou continuar formando pedras no meu caminho? Lá no meu bairro sou conhecido como Zé das Pedras. Acredito, se fosse juntar todas, até hoje, daria para terminar o alicerce de minha casa. Só que são pedrinhas miúdas. E como doem as danadinhas”.

Aqui dentro, do meu consultório, guardo nas lembranças todas as pedras que retirei. Só que as pedras que ainda vou ter no meu caminho tento removê-las todas.

Mas logo aparecerão outras. Tomara eu consiga, nos anos que me restam, retirar tantas pedras outras que por acaso se interporão no resto de vida que ainda terei pela frente.

Mas, como disse Drummond, no meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho.

Tomara eu consiga escolher um caminho sem muitas pedras. Mas, se por acaso isso tiver de acontecer, não custa nada saltar mais uma pedra. Das tantas que já saltei. Pedras podem fazer cair sim. Pedras ferem. Machucam sim. Mas, mesmo caído ao chão irei me levantar. Depois de tantos tombos que já levei. Pedras nos ensinam como caminhar. Abram os olhos para evitar as pedras que poderão levá-lo ao chão…

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