A Black Friday do Tião sem Sorte

O velho Tião madrugou naquela sexta-feira quase final de novembro.

Avizinhava-se no Natal. Era época de presentear os netos.

Assoberbado de trabalho, ele, sozinho, era o encarregado de cuidar da fazenda, uma enorme gleba de terras, longe da cidade, vivendo apenas para o trabalho, já que sua familia havia se mudado pra cidade, nestes tempos obscuros quando a tal pandemia ainda dizimava vítimas, lotando os hospitais, ainda longe ter o seu desfecho.

Era um dia quente e ensolarado que se anunciava. Pelo calorão que fazia do lado de fora da janela, daquela casinha humilde, podia-se vaticinar que a temperatura oscilava entre os trinta e cinco graus quase chegando aos quarenta.

Nada de a chuva se anunciar. E como ela seria bem vinda naquelas bandas.

A roça de milho, recém-plantada, carecia de chuva assim como a gente precisa de inspiração para escrever.

Naquela manhã, de sexta-feira, o velho Tião, antes de o relógio marcar onze e meia, já estava com todas as tarefas prontas. Tomou um banho apressado. Comeu o resto da janta. Era hora de o caminhão leiteiro aparecer no alto do morro.

Era com ele, de carona, entre os latões de leite sacolejantes, que o velho Tião ia à cidade.

Dentro de um embornal surrado, ali ajuntou algumas economias, que no total perfaziam quase um mil reais, importância esta com a qual iria comprar os presentes para os netinhos, naquele final de ano.

Pela televisão anunciava-se a tal Black Friday. Os preços prometiam ser convidativos.

Lá pela volta do meio dia, num calor de fritar ovos no asfalto, o velho Tião desembarcou do caminhão.

Ainda longe do seu destino, já que o velho caminhão leiteiro parou distante do centro da cidade, o velho Sebastião, para não ser repetitivo, teve de tomar um taxi.

A cidade estava lotada. Mais parecia um curral recheado de bois confinados. A espera do matadouro.

Na primeira loja que entrou tentou pechinchar com o vendedor.

Gostaria, em primeiro lugar, de adquirir uma motocicletinha para o neto mais velho. Pedrinho iria fazer seis aninhos no próximo dia sete de dezembro. A mesma data em que faço aniversário.

Acontece que o preço marcado naquela liquidação era indicado, pelo anúncio da televisão, exatos quatrocentos reais. No entanto, o velhaco do vendedor, com aquele sorriso de lagartixa, disse-lhe que a tal motinha teve seu preço atualizado.  Pelo cartão de crédito, coisa que o velho Tião nunca teve no bolso, ele sempre pagava as coisas em espécie, notas mofadas guardadas dentro do colchão, a tal motinha podia ser paga, a prestação, sem juros ou correção monetária, a importância chegava quase ao dobro da quantia anunciada.

O velho Tião, bobo que não era, embora parecesse, recusou prontamente a oferta. E partiu rumo à outra loja. Ali encontrou a motinha que procurava. Com um preço mais que convidativo.

Aquilo lhe custou mais da metade do que trazia no velho embornal surrado.  Restou-lhe seiscentos reais para comprar os demais presentes para a netaiada.

Foi de loja em loja regatear as demais encomendas. Vitinho, o neto predileto, escreveu ao Papai Noel que gostaria de ganhar uma bicicletinha de rodinhas amarelas. Elezinho contava com quase quatro aninhos.

Ali, naquela loja de departamentos, com uma escada rolante que subia às alturas, o velho Tião teve a sua primeira e derradeira decepção. Acabou enganchado no corrimão. Foi preciso upa para um segurança conseguir livrá-lo daquela situação incômoda.

Foi, naquele momento ingrato, quando sentiu uma mão boba meter-se dentro do seu embornal. No andar superior constatou que nada mais restava dentro dele. Foi-lhe afanado o resto que possuía. E teve de voltar a fazenda com uma mão na frente e a outra do outro lado.

E que Natal seria aquele? Sem presentes. A motocicletinha nunca funcionou a contento. E o safado do vendedor, alegando não ter nota fiscal, recusou a troca.

E os netinhos do velho Tião ficaram desconsolados. A espera do natal seguinte.

O velho Tião acabou desconjurando aquela tal de Black Friday. Pura enganação.

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