Aquela foi a primeira vez

Todos têm sua primeira vez.

A primeira namorada. Que hoje deve ter se tornado avó.

A primeira vez que descobriu as desventuras do sexo. Pois naquele momento mágico ele falhou.

Aquela inesquecível vez primeira que foi ao doutor. Medroso, levado pela mãezinha cuidadosa, relutando em se deixar examinar, e depois, de ganhar um pirulito da secretária, linda, de olhos azuis, da cor do mar, por ela se apaixonou.

Quem não se lembra da primeira que foi ao dentista, com dor de dente, bochecha inchada, e, num ímpeto de raiva pura mordeu o dedo do profissional, o qual desistiu do tratamento e o encaminhou a outro colega. Que mais pacienciosamente conseguiu obturar-lhe aquela cariazinha escondida entre dois molares.

Eu ainda me lembro de tudo isso. Mais alguns singelos momentos de minha existência.

Quando ia missa das dez e meia, acompanhado por meus pais, não via a hora de o padre dizer: “vão em paz. O Senhor os acompanhe”.

E eu ia correndo a pracinha logo ali pertinho, a ver, pela primeira vez, as meninas lindas que por ali desfilavam, nos seus vestidinhos de chita, cabelos em trança, pernocas grossas, olharem em minha direção, mas por acaso não eram. Eles iam em outra direção.

Ainda me lembro daquela vez primeira, quando, naquele natal passado, ganhei uma bicicletinha de rodinhas amarelas. Logo me desvencilhei delas. Aprendi a andar sozinho. Depois de muitos tombos e quedas. Que formaram galos em minha testa ancha. Que desincharam depois de um beijo molhado de minha saudosa mãe.

E como me recordo de quando, uma vez adulto, médico em inicio de carreira, aqui cheguei, oriundo de terras estrangeiras, e comprei um pedaço de chão sujo, pensando que qualquer um podia ser fazendeiro . Em pouco tempo aprendi que vaca não dá leite. Tem de tirar. E para tirar leite requer além de esforço redobrado, acordar ao cantar do galo, sem dia santo ou feriado, dedicação exclusiva, não apenas em finais de semana, que retireiro custa caro, e o preço do leite não compensa. Dado ao elevado custo dos insumos.

Ainda me lembro da primeira vez que uma das minhas vacas mais baldeiras se perdeu durante uma chuvadonha, e nunca mais foi vista por aquelas bandas. Pensei que o prejuízo fosse único. Mas eles foram se acumulando até quando tive de aposentar o fazendeiro. Passei o bastão a um amigo da roça. Caboclo de mãos caludas, acostumadas ao manejo da enxada, o qual, melhor do que eu, sabe que vaca preta dá leite branco, e outras sabedorias que só quem nasce na roça aprende com quantos paus se faz uma porteira.

Naquele sábado perdido na lembrança, sujeito a esquecimento, assim que cheguei a minha rocinha antes prejuizenta, chovia a encher ribeiros, dava enchente a perder de vista, o caminhão de leite não conseguiu descer a ladeira, as vacas atolavam no barro grudento, nada se via a não ser pingos d’água, e como chovia naquele dia, ao me deparar com aquela cena, quase não acreditei.

Uma das vacas, que já foi minha, agora mudou de mãos, para se esconder da chuva usava uma sombrinha amarela.

A pobre estava molhada dos cascos aos chifres. Embora fosse uma vaca mocha.

Aquela, sem dúvida, foi a primeira e única vez que vi uma vaca não apreciar a chuva.

Até hoje guardo aquela sombrinha amarela escondida dentro da minha cabeça oca.

 

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