Um dia como outro qualquer

Sucedem-se os dias. Contam as horas. E a vida segue no seu ritmo frenético.

Quando se vê não temos mais vinte anos. De uma hora pra outra escorrem por entre os dedos mais e mais anos.

No momento presente conto com mais de setenta. No próximo dezembro estarei um ano mais velho. Embora não sinta dentro de mim o peso dos anos eles acabam cavalgando-me às costas.  Não sei como estarei de agora a alguns anos a mais. Tomara com a mesma clarividência de agora. Com a mesma disposição costumeira. E, oxalá o passar dos anos me permita assistir, não em uma cadeira de rodas, meus netinhos jovenzinhos ainda, prestes a entenderem o sentido da vida. E como ela é bonita, mesmo nestes dias cinzentos.

Os dias passam. A juventude fica pra trás. A velhice é sinal de que o fim está próximo. Que ele retarde até quando não mais pudermos caminhar pelas próprias pernas. Entender o sentido da vida. E observar, com olhos lacrimejantes, o quanto foi bom viver até o momento presente. Sem que as enfermidades tomem conta da gente e nos jogue a um leito de hospital. Inermes, solitários, como se fosse um peso morto às costas de nossa família. Como, infelizmente, assisti a morte do meu saudoso pai.

A cada dia celebra-se uma efeméride. Dia quinze passado foi o dia do professor. Já hoje, neste dezoito de outubro, celebramos o dia do médico.

E como as coisas mudam ao sabor dos anos. Ainda me lembro daquela ocasião festiva acontecida naquele dezembro passado.

Era o ano de dois mil novecentos de setenta e quatro. Jovens esculápios, vestidos em becas escuras, se preparavam para receber o diploma.

Recheados de sonhos. Prestes a iniciar esta carreira de tantos sacrifícios. Agora apartados. Cada um de nós tomando um caminho distinto.

A partir de aí os anos foram passando. A gente envelhecendo. Ano após os plantões tomando as nossas noites. De emprego em emprego. De hospital em hospital.

Alguns colegas de farda não mais estão aqui. Exercem a medicina noutro lugar. Ao lado de anjos. Partiram rumo ao infinito. Sem lugar definido.

E como a medicina mudou. E nós médicos tivemos de mudar. Não mais usamos a impecável veste branca. Muitos usam jalecos com seus nomes gravados. E por baixo camisas de colarinho branco. Já eu declino de muita pompa. Uso a mesma roupa de cada dia.

Hoje celebra-se o dia do médico. E esta data passa batida. Não temos muito a comemorar.

Aquele profissional de saúde pouco tem a celebrar. Não tem como viver com a aposentadoria irrisória que percebe ao fim de incontáveis anos de trabalho constante. O médico tem de continuar na ativa até quando a saúde lhe permitir. E quando fica doente? Dizem que médico não cobra de médico.  Ledo engano. Isso foi antes. Agora a coisa mudou. Pra pior.

Quando o médico não tem um plano de saúde decente só lhe resta o SUS. É tem de esperar filas enormes. Como um paciente qualquer.

Dizem que médico ganha bem. Mais um lamentável equívoco. Uma vez jubilado, já que idade cavalgou-lhe as costas, o seu salário mal ultrapassa um salário mínimo. E ele tem de continuar na lida. Até quando as forças lhe permitirem.

E o pobre esculápio muitas vez jogam-lhe às costas culpa maior que ele não tem. O sistema é falho. E o pobre médico não pode falhar.

Trata-se de uma profissão de risco. Sujeita a percalços por lidar com um bem maior que é a vida humana.

Se eu pudesse escolher faria tudo de novo. Nunca me arrependi por ter escolhido a medicina.

Ela ainda me seduz. Me consome por inteiro.

Hoje, dezoito de outubro, celebra-se o nosso dia.

Pra mim é um dia como outro qualquer.  Igualzinho ao dia de ontem. Tomara seja melhor que o amanhã.

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