Feriado, pra ele?

Muitos estão em casa, ou em viagem, nestes dias chuvosos que estamos atravessando.

Chove lá fora. Durante a noite inteira percebi um barulhinho manso tamborilando o vidro da janela. Um dia cinza amanheceu neste onze de outubro. Poucos madrugões, como eu, se atreveram a sair às ruas. Estamos na metade de um feriado prolongado.

Tudo começou na sexta-feira. Sábado antecedeu o domingo. Foi chuva só. Nenhum indicio da carinha do sol.

Quem foi à praia com certeza se frustrou. Ou ficou dentro daquele apartamento minúsculo. Ou viu o mar pela janela. Com saudade de casa. Já que nada pode fazer durante aquela viagem malograda.

Amanhã, doze de outubro, celebra-se o dia da padroeira do Brasil. Romarias percorrem as rodovias em direção à Aparecida do Norte. O dia da criança da mesma forma tem seu dia marcado. Daí a importância destes feriados prolongados. Que se estendem de sexta-feira a próxima quarta. Quando começamos tudo de novo. Embora seja em verdade velhas novidades passar alguns dias sem nada a fazer. A não ser olhar pro céu e ver a chuva cair.

No entanto, para aquele caboclinho de mãos caludas e tez tostada pelo sol, tanto faz, como tanto fez.

Nem o domingo ele reserva para o descanso. Já que vaca desconhece qual seja dia santo. E a labuta constante desconhece o que seja feriado.

Toninho, da dona Tiana, sua mãe, a quem venera, já que o pobre desconhece o pai, acorda ao nascer do sol. Quando ele não nasce, mesmo assim Toninho desperta sempre a mesma hora. Nunca passa das cinco da manhã. Faca chuva ou clareie o sol.

Toninho mora numa rocinha distante de tudo e quase todos. Um lugar escondido por detrás de um morro. Esquecido pelas autoridades daquela cidadezinha nos cafundós de Minas. Nem mais ao sul, enfiada no meio do estado. A tantos quilômetros da capital. Considerada uma das menores das Minas Gerais. Com uma população estimada em menos de quinhentos cidadãos. Entre os quais Toninho se inclui. Entre os mais operosos e defensores do trabalho duro.

Nestes dias santificados, meados de outubro, passei por ali. Não sei por que razão o fiz.

Era uma segunda-feira molhada. A estrada estava intransitável. Por ali passava apenas trator. Puxado por uma junta de bois parrudos.

Naquele dia acinzentado, nada se podia ver a não ser a cinzentice do céu, encontrei-me com o Toninho da dona Tiana. Era por volta do meio dia. Meio do feriado.

Toninho fazia a sesta do almoço. Descansava um bocadinho.

Acordou, naquele dia cinzento, com a chuva caindo a noite inteira, por volta da cinco e meia.

Antes da seis já havia ordenhado as vacas. As sete e meia já estava com o trato no cocho. Antes das oito já roçava a pastaria. As nove e meia tratava da porcada. Ainda lhe sobrou um tempinho para pitar um cigarrinho de palha.

A comida estava pronta na trempe do fogão a lenha. O difícil foi encontrar lenha seca.

Naquele nosso breve colóquio, naquele meio de feriado, já que me preparava para voltar a cidade, já se fazia tarde, parei um cadinho para saber as novidades.

“São poucas.” Respondeu-me o Toninho. “A não ser a carestia dos preços, da crise que nos assalta, felizmente pra mim nada muda. Já que o trabalho não me assusta.  Estou pra lá de acostumado à labuta”.

Antes de ir embora, ainda tive a audácia de comentar se ele não guardava feriados.

Foi quando ele me respondeu, com um sorriso nos lábios: “ quer saber. Pra mim todos os dias são iguais. De sábado a outro sábado tanto faz . Vaca não dá leite. Tem de tirar. Carrapato não paga pedágio. Tem de ser erradicado. Barro não me mete medo. Tenho de cascalhar a estrada senão o caminhão leiteiro não sobe. A roça de milho tem de ser adubada. E como custa caro o tal adubo. Feriados ? Não sei se existem na roça. Neste dias não fico parado. O trabalho continua dobrado”.

Voltei à cidade pensando em trabalhar um tiquinho. E aqui estou a espera do primeiro paciente do dia. Nesta chuva que Deus mandou. Com as ruas ainda vazias.

 

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