O difícil é prever o meu fim

Quantas dificuldades se interpõem entre nós vida afora.

Deixar o útero protetor de nossa mãe é o começo de muitas temeridades.

Crescer, deixar a infância de lado, torna-se mais uma indefinição a ser contornada.

Infelizmente a vida nos prega peças, inimagináveis, futuro adentro. Não temos como nos desvencilharmos do passado. Ele está intimamente grudado em nós. Por mais que negamos a sua existência ele nos faz recordar de momentos trágicos.

A morte de meus pais foi um deles. A perda de entes queridos da mesma forma são lembrados.

Passamos a juventude sem nos preocuparmos com o que vem pela frente. Mas chega um tempo em que a responsabilidade nos intima. Ou seremos vagabundos, sem lenço ou documentos, ou meros andarilhos a percorrermos a estrada sem destino certo.

Uma vez decididos por sermos adultos, pais de família, não nos resta outra opção, senão aquela do trabalho duro.

Sem querer, vendo o tempo passar, envelhecemos. De pais passamos a avós. Nada melhor do que cuidar de netos. Aquelas carinhas lambidas, as mesmas que ostentamos, são filhos açucarados.

E quando eles nos deixam, depois daquela visitinha fugaz, prestes a fechar os olhinhos, lá vamos nós. Infelizmente moramos noutra residência. Mas a distância não nos impede de voltar a vê-los de novo. Quando a saudade bate forte.

Um dia, quando menos se espera, as enfermidades nos lembram de que é chegada a hora de nossa partida. Inexorável verdade. Por mais que tentemos alongar a nossa vida um dia ela chega. Sem mandar aviso ou recado. A morte é a mais sonora verdade que conhecemos.

Tenho um colega de fardas, médico amigo, dedicado a sua especialidade, que, um dia descobriu ser portador de uma doença incurável.

Era mais jovem do que eu. Alguns anos a menos. Trabalhamos no mesmo hospital. Em especialidades distintas.

Soube, há tempos idos, que ele estava tentando se desvencilhar daquela doença fatídica. Por mais que tentasse nada conseguia.

Naquela manhã, de um domingo que se tornou segunda, passei por ele.

Aquele colega, amigo, cidadão prestante, estava à espera de mais uma sessão de quimioterapia.

Abaixou os olhos assim que me viu. Não sei por qual motivo. Passei olhando em sua direção. Não consegui desviar os olhos de sua pessoa.

Não sei o motivo pelo qual desejava esconder a sua infelicidade. Seu fim estava próximo. Segundo me disseram outros amigos de farda.

Já passei por muitos percalços. Perdi meus pais. Em contrapartida ganhei dois filhos. E hoje tenho três netinhos lindos.

Não desejo nunca saber quando meu fim vai chegar. Espero ainda longe desse oito de outubro. Dia cinzento, uma sexta-feira véspera de mais um feriado prolongado.

Não sei por quanto tempo mais vai viver aquele meu amigo e colega. Ele não me disse: “meu fim está perto.”

Três meses? Um ano? Dois? Eu também não sei quando vai ser o meu.

O que me importa é viver em intensidade plena. Sem pensar na morte. Pois nada melhor do que a vida que me presenteia com momentos mágicos. Entre eles quando tenho nos braços aqueles pessoinhas alegres dos meus netinhos. Que são a continuação de mim. Enquanto a minha existência perdurar.

 

 

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