Imagine os tropeços na vida do Zé Ruela

Como choveu ontem à noite! Do lado de fora da minha janela podia-se perceber o ruído da chuva.

Céu cinzento. Que ainda permanece. A previsão é de mais chuva no decorrer do dia.

E como a chuva é bem vinda! Tomara ela continue mais tempo ainda. Não aquela chuvadonha de provocar atropelos. E sim uma chuvinha mansinha, que mal dá conta de molhar- nos por inteiro. Apenas refrescar este calorão que tem feito nesta primavera.

Levantei-me à hora costumeira. Antes das seis, quase metade. Não tive coragem de sair da cama. Ela estava convidativa. Do lado de fora chovia mansamente.  O dia estava escuro.

Nesta manhã de meados de outubro, quase véspera de feriado, meus pensamentos avoaram rumo a minha rocinha.

Como aqueles amigos da roça devem estar felizes nestes tempos chuvosos. É hora de plantar. A terra arada está preparada para receber as sementes.

Só que um deles, de nome Zé, Ruela foi por minha conta, apelido que a ele batizei, pois quase sempre está metido entre arruelas e parafusos, consertando algum trator, que sempre quebra, quando dele mais se precisa, nesta hora, mais cedo ainda, já se levantou faz tempo, está às voltas com as vacas, prestes a terminar a primeira ordenha.

Antes das oito, pra ele já bem tarde, é tempo de usar o trator. A semeadeira já está prontinha para lançar à terra as sementes. A terra molhada, cinza por causa do adubo previamente inserido, apresenta sulcos profundos. Ali vão ser sepultadas as sementinhas. Que em pouco tempo brotarão da terra. E dali aparecerão pezinhos de milho verdinhos. Que mais tarde irão crescer.

Zé, nesta primavera sedenta de chuva, não tinha fundos para comprar os insumos. Fez um empréstimo no banco. À juros camaradas. Como lhe prometeu o gerente.

Só que, naqueles tempos chuvosos, o trator não conseguiu, devido ao barro formado, caminhar solenemente. Derrapou na primeira esquina. Atolou no barro grudento. Foi preciso recorrer a ajuda de um vizinho, que tinha uma junta de bois parrudos, para rebocar aquele estrupício, para continuar a semeadura.

Já com o estômago roncando de fome, já passava das onze e meia, Zé desceu a estradinha, lama só, em terceira marcha. O trator deslizou até pertinho da porteira gasta. Acabou parando não sem antes bater forte naquelas tábuas gastas.

E a chuva continuava. Cada vez mais forte ainda.

Zé almoçou o que ele tinha. Uma carninha sobra da janta de ontem. Arroz e jiló. É só.

Recomeçou a pendenga um cadinho depois das treze horas. Antes das três da tarde já era hora da segunda ordenha.

A planta, naquela tarde chuviscosa, quase fracassou. O mal tempo impediu as rodas largas do trator de caminharem.

Antes das três da tarde a chuva não dava tréguas. Nas barbas do curral as vacas atolavam.

Na sala da ordenha faltou luz. Um raio que o parta acabou partindo alguns fios do poste que trazia energia à fazendinha. E foi preciso tirar leite usando os dedos das duas mãos. E olha que eram mais de trinta vacas baldeiras.

Já cansado, exausto, Zé Ruela voltou tarde pra casa. Era hora da janta.

Com o preço do gás nas alturas não tinha outra opção que não fosse a lenha. Mas quem diz que, naquele tempo chuvoso, com a lenha molhada, não pegava fogo.

Mais uma noite insone passou o pobre Zé. A manhã seguinte continuava a mesma lengalenga.

Continuou a chover. Goteirou por cima da cama do Zé. E ele amanheceu encharcado. Sonhou que havia urinado na cama. Não era mijo. Era água da chuva sim.

No outro dia amanheceu um tempo molhado. As vacas já esperavam famintas na porta do curral.

A terra preparada para receber as sementes pedia urgência. Desta vez o velho trator pediu arrego. Não tinha tempo de levá-lo a oficina. E as vacas impacientes não sabiam esperar o trato.

Zé Ruela passou a semana inteira prestes a desistir do seu negócio. Só que não sabia fazer outra coisa. Desde menino aprendeu que a roça era o seu caminho. Só que não antevia tantos percalços.

O empréstimo do banco venceu. A roça de milho não foi a contento.

Zé Ruela acabou vendendo a propriedade a um preclaro amigo da onça. Teve o cheque devolvido por falta de fundos. E acabou se mudando para a cidade.

Até hoje não sei o que foi feito do pobre Zé Ruela. Dizem, as línguas de trapo, que ele se bandeou para a vida fácil.

Tornou-se cafetão de umas putinhas sem pedigree. Acabou por falir o prostíbulo.

Até hoje, segundo dizem, ele vive pelas ruas. Sem eira nem beira. Sem lenço nem documento.

 

 

 

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