Aquele foi seu último canto

Dizem que quando a cigarra canta é sinal de chuva que vem.

É bom agouro. Dizem os homens do campo.  Já que a chuva tarda, mas não falha.

Segundo o que diz minha fonte de informação, o canto da cigarra, o responsável por aquele canto estridente é o macho, na tentativa por vezes inglória de atração, pode se frustrar, por não encontrar o amor de sua vida efêmera. Ou ainda fui informado que o canto das cigarras pode ser devido a uma estratégia de defesa contra possíveis predadores.

O certo é que aqueles bichinhos de aparência um tanto repelente, desprovidos de beleza como as borboletas, aparecem quando a seca prepondera. Fácil se torna identificar tal canto. Embora se torne quase impossível descobrir onde se esconde aquela cigarrinha cantarolante. Muitas vezes amoitada, quase imperceptível, grudada à casca de uma árvore, ou parcialmente encoberta por sua folhagem verde mata.

Hoje mesmo, ao chegar ao consultório, neste começo de outubro, ao abrir a janela, ouvindo o murmúrio do vento, descobri, agonizante, uma cigarrinha tentando alçar voo.

Tudo fiz para impedir a sua morte. Levei-a à bancada da pia onde tomo café. Molhei, cuidadosamente as suas asas. Naquele exato instante ela tentou se desvencilhar de mim.

Um minuto se passou.  Dois, se tanto.

Aquela cigarrinha, que não mais cantava, decerto seria uma femea, olhou-me profundamente nos olhos.  E disse-me: “por favor. Não me deixe morrer. Ainda não consegui descobrir o amor de minha vida. Sinto-me perdida. Aquele cigarro, não sei se existe o masculino, que seja, ainda não me foi apresentado. Canto simplesmente para tentar uma aproximação. Mas ele nunca aparece. Quem sabe, na próxima existência, eu descubra, numa casca de árvore qualquer, alguém com quem possa me acasalar. Fazer amor. Antes que um predador me devore. Ou alguma criança me prenda numa caixinha de fósforo. E eu morra sem saber se meu canto conseguiu atrair chuva. Ou foi mera tentativa”.

No minuto seguinte levei a pobre cigarrinha de volta à janela. Ela ainda sorriu pra mim.

Num canto triste ela despencou daqui de cima. E avoou um voo errático. Sem direção.

Ainda não sei qual o destino daquela cigarrinha desconsolada. Se ela encontrou seu amor cigarro. Ou simplesmente deixou seu canto para a próxima primavera.

Ou, simplesmente, virou flor.

 

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