Deixa o tempo secar

Nem bem a chuva começou e lá venho eu a falar dela.

E como a chuva tem feito falta neste inverno quente. A primavera começa no dia vinte e dois deste mês corrente. E nada de a chuva começar.

O sol amanhece bem cedo. Um calor típico de verão acorda-nos madrugada adentro.

E não há como mudar este estado de coisas. Se não consigo mudar a mim mesmo imagino tentar modificar a natureza.

Dizem que o tempo anda mudando. O aquecimento do planeta é verdade incontestável.

Faz frio quando deveria fazer calor. Esquenta o ambiente precisamente nos meses antes considerados os mais frios do ano. Tudo anda mudado.

Mulheres tomam as rédeas do casal. Homens ficam cuidando da casa.

Elas nunca foram tão importantes em cada seguimento da sociedade.

Neste setembro em sua metade, com quase duas mil crônicas guardadas no meu computador, a maior parte delas inéditas, pensei editar um novo livro. Já tenho até mesmo o titulo: “Leia com meus olhos”.

Depois de abrir as gavetas da minha estante, ainda repleta de volumes dos livros anteriores, acabei mudando de ideia.

Não é hora de lançar mais uma coletânea de crônicas. Os tempos andam bicudos. As pessoas mal tem o que comer. E um livro é difícil de degustar.

“Deixa o tempo secar”. Assim me confidenciou um amigo da roça.  Conselheiro das horas ruins.

Seu Benedito, com a sabedoria acumulada ao sabor dos anos, um dia, era um sábado quente, com a temperatura em crescente, nada de a chuva se anunciar, ao parar logo a sua frente, era fim de tarde, parei um cadinho para me aconselhar com ele.

Ele já sabia da minha paixão por escrever. Até mesmo já havia lido alguns dos meus volumes.

Naquela tarde de inverno, ao contrário do frio fazia calor, o céu azul nada indicava a cinzentice da chuva, naquele nosso breve interregno disse-lhe da minha intenção de publicar mais um livro.

Já ele, coçando a barba ainda por fazer, com aquele olhar inquiridor, num átimo me respondeu com esta frase curta. Que não encompridei por entender as suas razões.

“Quer mesmo saber, meu bom amigo? Não é hora de semear em terras secas. Deixa a chuva voltar. O momento requer prudência. Bem sei da sua enorme capacidade de retratar o cotidiano. Ninguém melhor do que você para tintar de verde a natureza. Apesar de que nesta hora ela se mostra cinzenta. A pandemia ainda ceifa vidas. Espere tempos melhores. A hora é trágica. Deixa o tempo secar”.

Deixei o amigo Benedito depois daquele conselho a ser seguido. Não é hora de a chuva cair. Espere um bocadinho mais. Quando voltar a chover, assim que a poeira terminar, quanto a tal pandemia passar, ai sim. Quiçá no ano que vem. Quando a situação melhorar eu consiga de fato editar mais um livro. A hora inspira cuidados. Melhor deixar a seca passar.

 

Deixe uma resposta