Garimpando saudades

Daqui do alto posso ver aquela casa.

Em meio à cinzentice que amanheceu no dia de hoje ela se mostra.

Foi a casa onde cresci. Desde os tempos idos de um mil novecentos e cinquenta e cinco.

Para ali me mudei aos cinco anos. Vindo de Boa Esperança. Onde meu saudoso pai trabalhava no mesmo banco onde se aposentou.

Hoje ela está de portas fechadas. Ninguém mais mora nela. Desabitada, abandonada, não sei qual será seu destino.

Entristece-me ver aquele cenário. Onde fui tão feliz. Ao lado dos meus queridos pais. E dos meus dois irmãos. Fred e Rosinha se mudaram pra outra casa. Rosinha pertinho dela. Fred na Belo Horizonte bastante mudada de quando ali morei.

De vez em quando, quase sempre, por ali passo. No debrum das tardes. Depois de deixar o consultório em mãos sempre confiáveis da prestativa Zaninha. Minha secretária enfermeira, que me ajuda quando dela preciso. Não sei o que seria de mim sem ela. Um médico solitário. Entregue as suas lembranças de um passado que infelizmente não volta mais.

Apesar da idade, perdida a mocidade, tenho sempre o cuidado de me exercitar para que a velhice retarde um cadinho mais.

Como me faz falta aquela academia. Das letras de muito me afastei. Prefiro aquela que enrijece os músculos. Faz das minhas pernas andejas o que sempre me atraiu. Correr pelas estradas. Sentir a brisa fresca das manhãs era um costume antigo. Aos domingos ia à vizinha Ribeirão. Pela estrada do Madeira. Já agora prefiro o ambiente seguro das academias. Já que a velha estrada oferece perigos.

Ao voltar por aquela mesma rua, onde aprendi a colecionar amigos, que saudade da Costa Pereira, hoje transformada em rua das clínicas, onde ainda mora o velho hospital, e vejo aquela casa quase transformada em ruinas, percebo um portão entreaberto. Por ali adentro. Entro sem que ninguém perceba. Vou ao antigo escritório do meu pai, pé ante pé, na escuridão que domina aquele cenário de tantas lembranças ternas, a velha Facit não está mais lá.

Livros amontoados. Papéis abandonados. Fotografias antigas, e até um diário escrito por minha querida tia Cida, que ainda vive ao lado de seu filho.

Passo momentos indeléveis a cultivar saudades. Perdido entre muitas lembranças do meu passado. Ainda não sepultado junto aos meus pais.

Ali fico garimpando saudades. Daquelas pessoas queridas que a morte levou.

Aquela casa hoje está vazia. Mas cheia de lembranças que o tempo levou.

Não sei qual será o seu destino. Se vai ser demolida. Transformada em escombros. Não importa. O que conta é vou continuar a garimpar saudades. Enquanto a vida me permitir a sentir saudade. De um tempo bom que já passou.

 

 

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