Mais uma noite mal dormida

Mesmo com este frio que faz, a temperatura oscila entre os seis e dez graus, Zé, alcunhado de Zé Fininho, por causa de um corpinho magricela, não conseguiu dormir.

Acordava de hora em hora, ia ao banheiro, fazia força o coitado, e nada de verter urina.

Isso acontecia desde que Zé atingiu aquela idade. Ele não era tão velho assim. Mal passava dos cinquenta anos.

Seu saudoso pai, falecido no ano passado, foi sepultado depois de ser diagnosticado portador de câncer na próstata.

Morreu depois de sofrer um bom bocado. Sofria dores intensas na bacia. Na coluna enfraquecida por culpa de metástases. Morreu um ano depois de feito o diagnóstico.

Zé, alertado por um parente perto, que sofria da mesma doença, era coisa de família, relutava em procurar um especialista. E, por causa do trabalho duro, era o responsável pelo retiro de uma fazenda enorme, adiava sempre a consulta com aquele médico evitado quando se chega àquela idade.

Naquela madrugada de junho, com um frio de enregelar os ossos, Zé Fininho experimentou a primeira vez de ter a urina retida.

E que dor era aquela. Ia ao banheiro, fazia uma força danada, e nada de urinar. Gotinhas miúdas escorriam por aquele canalzinho chamado de uretra. Era a mesma dor de uma gonorreia que teve quando solteiro. Só que não saia pus, como da vez primeira.

Foi levado às pressas, depois de uma noite cheia de sofrimento, a uma unidade de saúde perto de onde morava. Só que, naquela hora temprana, não havia ninguém que soubesse enfiar no canal uma sonda. Era um postinho de saúde desprovido de nada. Apenas uma mesa manca e uma caneta Bic fanha.

Por sorte dele, uma enfermeira experimentada acabou enfiando no seu canal um caninho fininho, que felizmente chegou à bexiga.

Que alivio Zé sentiu.

Outras noites mal dormidas se seguiram.

Foi quando o recebi no consultório. Foi um dia destes o acontecido.

Zé, ressabiado, medroso como sempre foi, assentou-se a cadeira defronte a minha.

Foi preciso quase meia hora para convencê-lo a fazer o tal exame. Ele nunca se deixou examinar as suas entranhas.

Percebi, no momento exato em que o vi desnudo, que a bexiga estava repleta de urina. Um abaulamento na barriga mostrava-se evidente.

Foi fácil esvaziar-lhe a bexiga. Dali saiu mais de dois litros de urina.

Recomendei que se operasse da próstata o quanto antes. Ele daqui saiu com uma sonda enfiada na sua uretra. E com uma bolsa coletora.

Zé agradeceu-me com um sorriso nos lábios. Prometendo voltar outro dia.

Passaram-se meses. E nada de aquele homem aparecer no consultório.

Um ano depois soube noticias dele.

Zé Fininho ainda usa a mesma sonda. Dorme com ela enfiada na bexiga. E nada de resolver operar-se.

Cada um tem a liberdade de escolha. Mesmo que seja a escolha errada.

 

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