Pior que isso nem aquilo

Um dia destes estive pensando.

Qual seria pior? Ficar desempregado, não ter salário, ficar em casa vendo o tempo passar, ou, na pior das hipóteses, correr o risco de se contaminar?

São indefinições que me assaltam os pensamentos. Nestes tempos ruins por que estamos passando.

Comércio em bancarrota, lojas fechadas, aluguel em atraso, a vida caminha por estas trilhas tortuosas.

Assim tem acontecido no país inteiro. Filas imensas se foram a porta dos bancos. A tal pandemia não tem hora de terminar.

Pela televisão não se fala noutro assunto. Parece que as flores deixaram de se abrir.

Não sei o que é pior. Ou menos ruim.

Ficar em casa, com este sol lindo que brilha lá fora, mais parece uma heresia. Outono nos traz cores maravilhosas. Céu azul, sol a pino, nenhuminha nuvem empana o brilho do sol.

Um dia me deparei com um rapaz.  Era cedo. Menos de seis da manhã.

Ele descia a rua enquanto eu subia. No mesmo passeio.

Eu usava máscara. Ele com as feições descobertas.

Educadamente ele me pediu um auxilio. Uma moeda qualquer. Algo que lhe mitigasse a fome.

Infelizmente não tinha nada a oferecer. A não ser um minuto de meu tempo.

Conversamos por alguns minutos. Soube que era mais um desempregado.

Dos tantos que perambulam pelas ruas.

Daniel, como ele se apresentou, em tempos idos fora empregado numa montadora de carros. Na distante São Paulo.

Hoje não tem como prover a família. Tem dois filhos menores fora da escola. A esposa, de quem se separou, deixou a todos na mais profunda miséria.

Daniel, com olhos rasos d’água, nada mais desejava do que voltar ao mercado de trabalho. Era ainda jovem. Experimentado.

Ao fim de alguns instantes segui meu caminho. Ele, na contramão da vida.

Ainda me lembro de suas últimas palavras: “agradeço-lhe por me ter ouvido. Não sei o que é pior. Ficar nesta vida desempregado, não ter o que levar pra casa, ou correr o risco de se deixar contaminar. A fome é bem pior do que esta doença. Passar necessidades não tem mal pior”.

Não tive como discordar do pobre Daniel. O trabalho de fato é benção. Viver de esmolas não tem nada mais humilhante. Ainda mais com um futuro incerto. Sem a menor perspectiva de se colocar novamente.

Não tem como ficar em casa. Com toda a vida pela frente.

 

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