Ainda resta uma esperança?

Bem dizia um amigo: “a esperança é a última que morre”.

No entanto ele morreu antes. Desesperançoso dos destinos do país onde vivia. Sepultado em cova rasa. Sem nenhuma identificação de quem seria.

Em verdade Chico Tristeza era assim.

Nascido e crescido na roça. Num lugar ermo e isolado. Longe de tudo e de todos. Entregue às amarguras da vida.

Chico nasceu pobre. Oriundo de pais desconhecidos. Sobreviveu de teimoso. Naquele mundão perdido onde quando se chegava era porque o sujeito escolheu o caminho errado.

Aos doze anos quase morreu de inanição. Salvou-se por pura sorte. Alimentava-se com as sobras do dia. Já que a comida sempre faltava naquela despensa vazia.

Cresceu aprendendo de tudo um pouco. Era carpinteiro nas horas de ócio. Fazia bicos com a colher de pedreiro. E, quando podia, ficava vendendo balas numa encruzilhada da estradinha por onde não passava ninguém.

Assim era a vida do Chico. Entregue a própria sorte quase não chegou aos trintanos. Era magricela o coitado. Olheiras profundas sulcavam-lhe o canto dos olhos.

Quando se julgava perdido enfim assoprou-lhe um alento. Foi admitido como estagiário numa fazenda produtora de leite.

Chico, afinal, pensou ter encontrado a felicidade. Embora ela lhe fugisse de vez em quando. Já que a tal felicidade é feita de pequenos momentos. E ela não dura para sempre.

Num dia de chuva intensa, quando Chico acordou em sobressalto, naquela noite fatídica, eis que se viu em dificuldades. O quartinho onde morava alagou-se por completo. O pobre Chico quase morreu afogado.

Salvou-se mais uma vez da morte certa. Agarrado a uma tábua de salvação foi levado pela correnteza, remando contra a corrente, até um lugar seguro.

Daí em diante só colecionou desventuras. Era um predestinado a desilusões intermináveis.

Num dia de janeiro, o ano apenas começava, eis que mais uma oportunidade lhe acenou.

Graças ao seu bom desempenho Chico foi promovido a gerente. Daquele agronegócio que cada vez mais enricava.

Aos quase cinquenta anos Chico acordou com um estranho pressentimento. Sonhou com uma linda donzela. Com ela constituiu família. Mas tudo aquilo não passou de meras conjecturas.

No dia seguinte, era uma sexta-feira treze, eis que mais uma fatalidade aconteceu na vida do velho Chico desventurado.

Amanheceu com a urina retida. Era a doença da próstata. Foi preciso levá-lo ao hospital.

Na unidade de saúde vizinha a sua morada faltava quase tudo. Não foi possível enfiar-lhe uma sonda pelo canal entupido. Teve de esperar horas perdidas até que a ambulância chegasse.

Quase meio dia depois o desafortunado Chico enfim pensou que seu sofrimento havia chegado ao fim. Mais um ledo engano.

A sonda não conseguiu chegar até a bexiga. Fizeram-lhe um furinho por debaixo do umbigo. Por onde saía urina.

E, até hoje, ele permanece com a sonda enfiada na barriga.

Foi quando dei por ele num pronto atendimento qualquer. Chico, até hoje, espera pela cirurgia salvadora.

Não se sabe quando. Um dia, talvez, ela consiga.

Ainda resta uma esperança para o velho Chico.

Que o atendimento aos pacientes, oriundos do SUS, seja afinal levado a sério.

Já que a constituição determina: “a saúde é um direito de todos. O Estado deveria cumprir o seu papel”.

Ao final do mês de janeiro soube noticias do velho Chico. Ele não resistiu à enfermidade. Morreu sem esperança de uma vida melhor. Assim como milhares de brasileiros.

 

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