Começo de ano atribulado

Não bastante os percalços do ano que passou o novo ano começou pior ainda.

A tal pandemia parecia não ter fim.

Mortes eram anunciadas a cada dia.

A crise se alastrava como erva daninha pela grama do jardim.

A chuva não cessava. Enchentes se mostravam em cada avenida das cidades.

Os preços subiam pela hora da morte. E o salário, magricela, não acompanhava a inflação do momento.

Foi neste cenário de desânimo que encontrei meu amigo Pedro.

Ele estava desempregado desde há dois anos exatos.

Separado da mulher, com quem teve dois filhos, teve de sair de casa numa manhã de domingo.

Saiu com a roupa do corpo.

Perambulava pelas ruas sem eira nem beira. Acabou dormindo debaixo de uma marquise.

Naquela manhã, quando o encontrei, ele estava mendigando alguns trocados num ponto de ônibus. Chovia.

Percebi, em seus olhos, um ar de melancolia intensa. Parece que para ele a vida tinha perdido o sentido.

Tentei consolá-lo. No entanto nenhuma palavra era o suficiente pra atenuar-lhe a amargura.

Pedro, nos seus quase cinquenta anos, pareciam muito mais.

O pobre Pedro me pareceu perdido naquela multidão que se acotovelava naquele começo de ano. Como ele existiam montões de desempregados.

E a tal vacina não chegava. O Brasil era um dos últimos países a se ver livre da tal pandemia. E a crise se alastrava. O tal auxilio emergencial teve fim.

As ruas continuavam apinhadas de gente. Cada um com seu problema.

O do Pedro era igual a tantos que por ai se viam. Parece que a luz ao final do túnel não se acendia.

Trocamos meia dúzia de palavras. Tinha de deixar o amigo entregue aos seus percalços.

Um mês depois soube notícias do amigo Pedro.

Ele foi encontrado morto debaixo do mesmo viaduto onde dormia.

Ao seu lado, num velho cobertor surrado, um cachorro latia em desespero. O Totó era o único amigo que lhe restava.

Nenhuma pessoa compareceu ao seu sepultamento. Foi sepultado como indigente. Sem lenço, nem documento.

Ainda me lembro daquela tarde. Era um lindo dia de janeiro. Começo de um novo ano.

Pedro, como soube depois, acabou pondo fim à vida. E que vida era aquela? Se é que se pode chamar de vida…

 

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