Crenças e descrenças

Uma vez menino, morando naquela rua que daqui se avista, pelos fundos, acreditava em tanta coisa, que mal cabiam em meus devaneios.

Cria em Papai Noel. O bom velhinho, que, na noite de Natal, depositava presentes debaixo da árvore, toda enfeitada de bolas vermelhas, anjinhos feitos de restos de pano, asinhas brancas, dependurados em meio a outros enfeites.

Acreditava também que somente as crianças de bom comportamento mereciam os regalos. As outras, infelizmente, tinham de esperar outro Natal.

Cria, da mesma maneira, num mundo encantado, onde todos os meninos tinham a mesma sorte.

Acreditava, piamente, no que meus pais recomendavam. Eram recomendações sábias. Que deveriam nortear o nosso caminho. Vida afora.

Acreditava, jovenzinho ainda, num mundo que nos receberia de braços abertos. Só dependeria de nós o nosso sucesso.

Infelizmente cresci. No entanto continuava a crer. Passei anos sem perceber o quanto as minhas crenças estavam equivocadas.

O mundo que me esperava não era aquilo que desejava. Era um mundo cruel. Desigual, desumano.

Um mundo em que moram dentro dele pessoas de todas as índoles. Uns maus. Outros piores.

Mais tarde descobri que neste mundo pode imperar a desigualdade. Uns detém a maior parte da riqueza. Já outros, a maioria, vive na pobreza extrema.

Mesmo assim continuava na doce ilusão que a gente pode mudar o mundo.

Só dependia da gente tentar minimizar aquele status quo.

Infelizmente, mais uma vez, percebi, que nem tudo que reluz se torna ouro.

Foi quando, agora, na maior idade, passei a desacreditar na nossa capacidade de alterar a vida que a gente leva. Tudo independe da nossa vontade. Outros fatores existem.

As diferenças raciais. A falta de educação. As intempéries que assolam o nosso país. Tudo, muito mais.

Ainda acredito num mundo melhor. Quiçá deixaremos aos nossos filhos, netos, um lugar melhor para se viver.

Creio num mundo mais fraterno. Onde as doenças continuarão a existir. No entanto, as oportunidades de nos tratarmos vai ser um direito inarredável do cidadão. Sem ter de enfrentar filas imensas. Onde o direito a saúde em verdade vai ser um direito de todos. E não apenas no papel.

Hoje ainda acredito que vai ser possível deixar um mundo melhor a quem nos suceder. Um mundo onde as chances de emprego, no qual as pessoas, quaisquer que sejam, pretas, brancas, multicores, tenham as mesmas oportunidades de serem felizes.

Creio, neste mundo imaginário, quase utópico, encontremos a felicidade em cada esquina. E, cidadãos tenham um teto onde se agasalhar no inverno. Não tenham de enfrentar a chuva que cai. Um mundo igualitário. Onde a violência não predomine.

Ainda creio neste mundo, vasto mundo, onde todos sejam tratados sem distinção. Sejam ricos, remediados, ou miseráveis.

Acredito, dentro das minhas descrenças, que ainda vai ser possível mudar a vida que levamos. Basta pra isso um cadinho de nós. Por que não darmo-nos as mãos?

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