“Deus ajuda a quem cedo madruga”…

Acordar cedo, despertar ao raiar do dia, tem sido o meu costume, desde quando a idade me cavalga as costas.

Nada como ver o sol nascer. O galo cantar. A passarada avoar. E o homem do campo assim vive. Pois as tarefas que o esperam não têm hora de terminar.

Esse hábito saudável não fazia parte do meu metier. Costumava acordar bem mais tarde. Em criança, moleque ainda, custava abrir os olhos. Ainda me lembro de minha mão dizendo: “acorda menino. É hora de ir à escola. Não se atrase.  A aula começa em meia hora. Tem de escovar os dentes, tomar seu café, vestir o uniforme. E você ainda dorme. Acorda Paulinho. Deixa o resto do sono pra depois”.

E eu acordava bocejante. Não retrucava. E ia adiante.

Depois de mais velho, jovem ainda, continuava dorminhoco. Só passei a acordar mais cedo em tempos recentes. Dizem que o velho dorme pouco. Pois tem de aproveitar os anos que lhe restam. Considero a escuridão da noite um desperdício de tempo.

Tenho um amigo, gente boa da roça, de nome Geraldo da Dona Nega, que vive só. A sua adorada esposa mora na cidade. E só o visita aos finais de semana.

Aquele homem de barba nevada, muito parecido ao Papai Noel, não fosse a magreza que lhe mostra as costelas, é feliz a sua maneira. Caso o levassem a viver na cidade não sei o que seria dele. Por certo ele não viveria por muitos anos mais. E sucumbiria antes de completar mais um ano de vida.

Geraldo tem o costume de dormir junto às galinhas. Empoleira-se na cama antes das seis e meia. Antes das cinco da manhã já se põe de pé. Toma um cafezinho requentado. Na trempe do fogão a lenha.

Em menos de quinze minutos já está no curral. Duas dezenas de vacas famintas, de mojo cheio, já o esperam impacientes. A ordenha dura menos de uma hora inteira. A seguir alimenta as vacas. Elas enchem a pança no cocho repleto de trato. Aparta os bezerrinhos contrariados. Eles berram de saudade das mães vacas.

Não bastante tanto trabalho Geraldo ainda tem de roçar a pastaria. É tempo de chuva. Final do ano se anuncia. A roça de milho, recém-plantada, mostra os pezinhos a emergirem da terra molhada. É um espetáculo grandiloquente. Que gratifica a todos aqueles que amam a roça e nem tanto os animais, bichos homens, que dizem ser seus donos.

Geraldo almoça antes das dez e meia. Destampa a lata de gordura onde estão armazenados, desde o ano passado, nacos de carne de porco. Um capado gordo que foi abatido no ano passado. Junto a um feijão cozido na manhã do mesmo dia, dispensa o arroz, uma farofa meio apimentada, lambe os beiços com aquela gostosura.

Um dia, durante uma visita que fiz a sua pessoa, fui convidado a almoçar. Estava varado de fome. Era quase onze horas. De uma manhã de sábado.

Assentamo-nos debaixo de uma árvore frondosa. No alto maritacas granavam freneticamente. Era tempo de jabuticaba.

Comemos a encher o bucho. Proseamos durante hora e meia.

Antes do meio dia, era hora de voltar à cidade, ao me despedir do amigo Geraldo, ele  me contou seu modus vivendis. Fingi que não sabia.

Começou por acordar cedo. Dormia junto as galinhas. Não tinha tempo de assistir a televisão. Trabalho era a sua  companhia. Dia após dia.

Ainda hoje, pensando no amigo Geraldo, na sua vida simplesinha, na sua felicidade manifesta num sorriso banguela, na sua idade de quase Matusalém, dizem ter mais de cem, depreendi que o segredo da longevidade se explica numa frase que dele ouvi: “quer saber? Atingi esta idade, ainda pretendo viver muitos anos mais, por um simples motivo. Deus ajuda a quem cedo madruga”.

A partir de então sigo a risca os conselhos do Geraldo da Dona Nega. Quem sabe por este caminho irei também?

 

 

 

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