“Quanto mais rezo mais assombração aparece”

Sábio dito.

Nada contra o rezador contrito.

Aquela pessoa recheada de fé, que passa o dia inteiro ajoelhada na igreja, a orar pelo Padre Nosso e todas as Aves Marias.

Nos idos anos acostumava-me a ir à igreja. Frequentava junto aos meus pais a missa das nove.

Mas, não via a hora de terminar a cerimônia e partir rumo ao jardim. Na intenção de ver as mocinhas de pernas grossas. Todas vestidas com saias até o tornozelo. Cobrindo parte da sua pureza. Muito embora elas escondessem a virtude maior nas intenções pecaminosas. Ávidas por começar o namorico com um moço de boa família. Que na verdade eram verdadeiros safados. Prestes a enganar aquelas moçoilas casadoiras.

Já hoje, ancião não muito convicto, passei a orar em momentos íntimos. Só entro na igreja quando ela está vazia. Rezo a todos os santos. Principalmente ao Santo Expedito. O que inspirou meu segundo nome. Dado por meus pais. Não sei por intenção de quem.

Tenho um amigo, gente boa da roça, a quem considero acima de tudo um homem de fé, o qual, sempre que por ele passo, quase sempre apressado, paro um cadinho, a sua frente, numa curva da estrada, e troco um dedo de prosa.

Antonino, gente experimentada na lida, mãos caludas, tez tostada de sol, no momento presente semi- aposentado, embora faça alguns bicos, mostra-me a calma que precisava ter.

Ele não tem pressa. Já dobrou procelas e tempestades. Já enfrentou toda a sorte de contrariedades. Já perdeu a esposa e dois filhos menores. E continua, até hoje, nos seus quase oitenta anos, na mesma vidinha de sempre.

Naquele sábado, que se perdeu na fumaça dos anos, quando o encontrei, já era hora do almoço, parei um cadiquinho.

Estacionei minha caminhonetinha prateada à beira da estrada.

Antonino apertou-me a mão. Com jeitão de não estar num bom dia.

Havia chovido a encher baldes a noite anterior. Estava na hora de plantar a roça de milho.

A terra encharcada não permitia o arar do trator. Um barro grudento acabou atolando a máquina pesada.

A vacada não compareceu no curral. Justamente a Braúna, aquela que dava mais leite, acabou atolada até a cabeça num charco alagadiço.

O caminhão leiteiro não veio naquele dia funesto. A estrada estava intransitável. Tudo parecia perdido.

O leite azedou. Faltou energia naquela manhã. O tanque de expansão acabou estropiando.

Uma enxurrada imensa levou tudo de roldão.

Percebi, nos olhinhos tristonhos do amigo Antonino, que não havia nada mais a fazer. A não ser esperar dias melhores.

Que não chegavam nunca.

Na nossa despedida, depois de algumas horas de prosa, recomendei-lhe que fosse à igreja.

Que orasse ao santo de sua devoção.

Foi ai, neste momento insano, ele me respondeu: “quer saber? Quanto mais rezo mais assombração aparece.”

Talvez ele tenha razão. Mas eu não tenho motivos para perder a minha fé. Dentro da descrença que me contamina por dentro continuo a crer numa força superior.

Num dia faz sol. Noutro a chuva cai sem parar…

Estes são os desígnios de Deus.

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