Quase não tenho tempo

O tempo ruge. Feroz como um leão faminto.

O tempo passa e a gente nem se dá conta. De repente, com o passar dos anos, não mais temos vinte anos.

A infância ficou pra trás. A mocidade deixou marcas em nosso semblante.

Os cabelos se foram. Eles deram lugar a um descampado ancho.

Olheiras profundas passarinham em volta de nossos olhos. Eles perderam o viço. Aquele mocinho, cortejado pelas meninas, agora só tem olhos para senhoras balzaquianas. E elas nem se tocam quando a gente, senhor de idade, mais ou menos ultrapassando os enta, cai de amores por alguma delas.

Agora contamos no calendário quanto tempo ainda nos resta. Já vivemos muito. Graças ao bom pai ainda temos saúde. Até quando? Indago-me.

Passam os anos e a gente pensa ainda viver alguns anos mais.

Hoje conto com setenta. No mês entrante contarei com setenta e um. Estarei vivo para admirar meus netos ultrapassando os vinte? Não acredito. Embora o desejo de continuar a viver, vê-los emancipados, pais de família, felizes como eu tento ser, mais parece uma utopia.

O futuro me reserva uma incógnita verdadeira. Uma indefinição que não pretendo descobrir o porvir.

Antes o tempo me sobrava. Em criança folgava nos tempos de férias. Ia à escola. Mas assim que a aula terminava voltava a casa. E nem pensava no futuro. Vivia o presente. E nem imaginava o quanto era feliz. Nos bons tempos de menino.

Já hoje, prestes a inaugurar idade nova, idoso, não me considero ancião, a aposentaria me acena com suas mãos cansadas. Ainda sou capaz de produzir. Não filhos. E sim deixar a experiência acumulada nestes anos todos a quem possa interessar.

Quase não tenho tempo pra pensar. Alias, penso em viver muitos anos mais. Desde que a saúde me acompanhe. E não me deixe numa curva do caminho.

Falta-me tempo para curtir a vida como gostaria. Não viajo tanto quanto desejaria.

Falta-me tempo para passar um final de semana na minha rocinha que tanto amo. Aquela casa, quase terminada, a beira de uma represa, é um lugar cobiçado por mim. A chuva tem impedido de a ela terminar. A estrada barrenta quase me impede de nela chegar.

Quase não tenho tempo de abraçar amigos. Muitos já partiram rumo ao infinito.

Faltam-me alguns anos mais. Não imagino quantos serão.

Melhor assim. Permanecer na ignorância. Não pensar muito. Simplesmente observar a chuva cair. Bem de mansinho. Verdejando a pastaria. Vendo meus netinhos crescerem. E olhar, daqui do alto, a cidade acordar. A tal pandemia passar. Um ano novo chegar. Bem melhor do que foi este.

Talvez me falte tempo para sonhar. Sonhos me fazem viver. Já que não mais pretendo crescer.

Que nunca me falte a inspiração. A lucidez. A esperança em dias melhores.

Que nunca me falte tempo para pensar na vida que tenho levado. Deixo-a como legado aqueles que viverem depois de mim.

 

Deixe uma resposta