O homem que se derreteu num sorriso

Como fazia calor naquele começo de ano.

O sol parece que nem dormia.

Antes da madrugada ele acordava quente com sua língua de fogo. Quem olhasse a lua, assim que ela assumisse seu posto no alto, logo pensava que o tal astro se abanava num ventilador. Tal era o calor que do céu emanava. Como estava sendo difícil dormir. Principalmente aqueles pobres infelizes que não dispunham de ar condicionado. E tinham de passar a noite inteira lutando contra os pernilongos. Ouvindo em seus ouvidos aquele zum zum de deixar qualquer um ensandecido.

Esta era a vidinha costumeira daquele peão, homem trabalhador, que tinha sob sua responsabilidade cuidar da fazenda enorme de um abastado senhor, que por ali passava de tempos em tempos, pagava um salário de fome, e quando vinha cobrava de olhos atentos o serviço duro, incumbência de mais de cinco pessoas. Mas era o pobre Joaquim quem sofria na pele áspera todo o trabalho que durava mais de dez horas ao dia, e quando conseguia dormir o relógio marcava onze horas da noite.

Aos quase cinquenta anos o infeliz Joaquim aparentava o dobro daquela idade.

Uma calva luzidia, cheia de manchas escuras, uma tez tostada pelo sol, rugas lhe passarinhavam pela face escura, tempos antes era branco, com o tempo ficou da cor do jambo maduro, quase em ponto de apodrecer, Joaquim não tinha tempo nem para cuidar da saúde.

Felizmente ele a tinha em bom estado. Até os cinquenta anos nunca fez uma visitinha rápida a um doutor. Também, nascido e crescido na roça, desde criancinha mal sabia o que era um pediatra. Sua mãe, que Deus a tenha, assim que Joaquim nasceu ela se despediu da vida. Foi um parto complicado. O menino Joaquim nasceu com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Salvou-o uma experimentada parteira. Que, ao constatar a situação aflitiva da criança fez o que deveria ser feito.

Mas a mãe do menino não teve a mesma sorte. Ele foi criado pela avó. O pai, sempre ausente, jamais deu as caras pelas bandas daquele lugar. Esquecido por todos. Menos pelos urubus que de vez em quando apareciam, assim que anteviam uma carniça de onde exalava aquele cheiro pútrido da morte.

Graças ao bom Pai do céu Joaquim deu coisa que prestasse. Não teve tempo nem oportunidade de passar pelos bancos escolares. Pois, desde cedo o trabalho o absorvia por inteiro. Tinha bom conceito entre os fazendeiros.

O patrão, homem rico, de muitas posses, vivia na cidade grande. Cercado de todo conforto. Mas para Joaquim só restava uma casinha tosca, duas janelas de madeira carunchadas, uma cama para dormir, um fogão a lenha onde cozinhava o almoço, esquentava na trempe quente o arroz feito de véspera, e passava o dia inteiro sem parar um momento só.

O sorridente Joaquim nunca teve tempo para se casar. Mulheres eram frutas raras naquela fazenda enorme.

Quando uma aparecia logo se escafedia. Também, quem, em sã consciência, se amasiaria a um pobretão, que nem conta no banco tinha?

Joaquim fazia do trabalho duro a única diversão de sua vidinha simples.

Quem o visse, de camisa aberta, naquele calorzão dos diabos, sorrindo como se a vida para ele fosse cor de rosa, e não cinza como as nuvens de vez em quando ficavam, exalando suor por todos os poros, logo pensava que nele morava a felicidade. O que em verdade sucedia.

Num dia quente, abafado, com o céu azul até demais, o sol soltando seus raios de doer os olhos, quando o patrão de Joaquim fez uma visita surpresa ao seu latifúndio não encontrou o empregado em nenhum lugar previsível.

Fez uma busca minuciosa em todos os lugares prováveis. Na casinhola tosca Joaquim não estava. No curral, cuidando do gado, muito menos. Na pastaria interminável nada de encontrar o coitado. O dia finou. A noite se fez dia. A procura continuou semana afora.

Seu Antenor, o patrão de Joaquim, tinha de voltar à cidade. Desconsolado teve de ir embora.

Quando as esperanças de encontrar o empregado, a quem apreciava muito, embora nada o fizesse melhorar o salário de fome que Joaquim percebia, estavam se desvanecendo, alertado por um vizinho de pasto, Antenor achegou-se a um rego d’água.

Estava um dia quente. O sol derretia tudo ao derredor. O corregozinho quase não mais exibia água no fundo seco.

Na beiradinha daquele lugar foi encontrada apenas uma dentadura reluzente ao sol escaldante. Um resto de pele escura. E uma ossada branca. Tudo aquilo foi o que restou do pobre Joaquim. Foi aí, naquele momento triste, que nasceu a lenda do homem que se derreteu num sorriso. Seu nome era Joaquim.

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