Deveras. A gente se acostuma a quase tudo.
Acordar cedinho. Tomar aquele cafezinho quentinho. Quase sempre desacompanhado de um pão de queijo feito na horinha. E sair ao trabalho que nos espera de hora marcada. Ir caminhando devagarinho até chegar ao nosso destino. E, ao chegar meio atrasado somos repreendidos pelo patrão. Que nos espera meio raivoso. Dizendo entre dentes: “da próxima vez vê se chega na hora senão vou descontar no seu salário”.
A gente se acostuma a quase tudinho. Até com as desgracas que são corriqueiras em nossa vida. E se não as teve espera pra ver. Cuidado com as doenças que sem avisar aparecem. E se são de pouca gravidade não tome remédios. Espere a gripe sanar e não se torne uma pneumonia. Que vai te jogar na cama a mercê das complicações.
Tenha cuidado com as doenças da moda. Elas são impertinentes como a chegada inoportuna da sogra. Que vem morar com contigo sem ao menos avisar.
A gente se acostuma ao frio e ao calor destemperado. Quando menos se vê já é chegada a hora de nossa partida. Console-se, pois já viveu o suficiente. O tempo necessário para servires de exemplo.
Já meu amigo, de nomezinho descomplicado escrevinhado em duas letrinhas somente. Ele se diz Zé, José se alonga demais. Ele vive e convive com ele mesmo na sua mesmice costumeira.
Acostumado a acordar bem cedinho. Antes do cantar do galo e cacarejar das galinhas.
Zé pra ele não tem tempo ruim. Pra ele tanto faz como se desfez se a chuva é mansa ou atropelada de pingos. Zé acorda sempre de bom humor. Mesmo se outrem não seja assim.
De vez em quando lhe faço uma visita. Sem avisar em sua casa me acho.
Ali sempre tem um abraço, recebo um bom dia mesmo que não seja tanto.
Na casa do Zé sempre tem espaço para caber mais um. Ele vive cercado de amigos que sempre o rodeiam desinteressadamente. Zé nunca foi de deixar pessoas ao desabrigo. Ele as recolhe em casa afetuosamente.
Não que meu amigo Zé tenha posses. O único bem que possui é carinho e amizade genuína. Zé não é de guardar rancores mágoas e ressentimentos. Não é de chorar o leite derramado. Nem de deixar de perdoar a quem lhe fez mal.
Foi ontem a minha visita. Estava uma tarde ensolarada. Um calor de fritar ovos no asfalto nos incomodava.
Fui eu quem começou a prosa.
A tudo ele respondia entre dentes que não tinha: “tô acostumado!”
“Zé, não se importa em viver na própria companhia? Não sentes falta de alguém ao seu lado”?
E Zé me respondia: “que nada. Tô acostumado!”
“Zé, como vai de saúde? Alguma doencinha tem lhe importunado”.
E Zé, rindo de gengiva a outra, já que nem dentes ele tinha, me respondia sorrindo: “a minha saúde é de ferro. Não deixo molhar senão enferruja”.
Já sabia que nada afetava o bom humor do meu amigo Zé. Pra ele tudo era festa mesmo sem ter feito aniversário.
Mas acabei cutucando seus brios com essa pergunta meio indigesta.
“Zé, não sentes falta de um rabo de saia com uma boa mulher por dentro”?
Foi quando ele me respondeu mostrando uma fotografia de uma linda fêmea com quem ele tinha um causo.
“Não, com a falta dela não me acostumo. Quando sinto falta dela ela não me falta. Aqui comparece de mala e cuia e nois faz amor até o apontar da lua.”