Apraz-me

Hoje, sexta-feira, janeiro nem acordou.

Parece que esse mês primeiro, de um ano que tem começo, janeiro ainda está entregue aos festejos de final de ano. Curtindo sua merecida ressaca. Deitado em berço esplêndido como apregoa em versos nosso lindo hino nacional.

Nesse prédio onde ainda milito as salas ficam vazias. Como sempre sou o primeiro a dar bom dia ao solícito porteiro que hoje se desdobra em gentileza a todos que aqui procuram seu profissional de saúde. Sejam eles médicos, psicólogos, ou até mesmo odontólogos que cuidam de nosso bem estar.

Ainda não me dou por satisfeito em ficar observando a passarinhada saltitando de galho em galho no jardim magnífico que daqui se permite ver.

Tento postergar a tal chamada aposentadoria por mais tempo que me permitirem. Nesse ano em curso nossa turma da UFMG celebra nossos bem rodados cinquenta anos de graduados. Quantos ainda somos? Creio que só irei descobrir no dia em que nos encontrarmos nalgum lugar. Já que muitos colegas de farda já exercem a medicina no céu dos anjos em fraterna união aos nossos aparentados.

Como me apraz o trabalho fecundo. Como me sinto bem em contato com a nossa terra mãe.

Apraz-me tanto o exercício da medicina quanto minhas andanças pela literatura.

No dia em que não mais estiver por aqui. Ou retratando o cotidiano que me seduz tanto. Ou não puder caminhar pelas ruas a passos largos. Por favor, não perguntem onde estou. Decerto estarei fazendo companhia aos meus queridos progenitores aos quais devoto tanto amor e saudades. Imorredouras lembranças de um passado que não ouso nem desejo sepultar.

E como me sinto bem aqui no meu refúgio. Nesta sala ampla. Com uma vista linda ao meu passado pela janela da frente. Como me faz bem admirar os peixinhos do meu aquário. Eles quase não me dão trabalho. Apenas tenho de alimentá-los dando-lhes uma pitadinha de ração.  E de vez em raramente trocar a água onde eles vivem. Pra mim viver sem escrever é como tentar fazer sobreviver peixes fora d’água.

Como me apraz o murmúrio do silêncio. Admirar canarinhos da terra ciscando o esterco do curral.

Apraz-me ficar a vontade desprovido de roupas, quase, numa piscina qualquer. Correr, trotar, caminhar, são outras de minhas predileções.

Publicar livros então. Como me desfazer dessa minha obsessão? Bem sei que escritor desconhecido não consegue desovar sua obra.  Mas como me apraz viver rodeado de tantos exemplares aqui onde escrevo.

Até parece que eles todos me aplaudem e não me apupam. E quando algum leitor faz encômios de meus textos? Ah! Como esses comentários me envaidecem e servem como combustível para que eu continue sempre.

Apraz-me quando me param nas ruas e dizem: “doutor, o senhor escreve tão bem. Continue sempre. Não pare de escrever nunca”.

Apraz-me ao ver livros editados sendo apreciados por leitores vorazes. Nem tudo está perdido. O mundo ainda tem salvação. A internet ainda não sobrepujou livros de papel. Há quem não se desfaça deles.

Apraz-me tanto ver crianças folgando nas ruas em animadas peladas naqueles campinhos cambetas. Onde a bola rola sem saber qual seu destino. Deixando de lado seus tablets e celulares em joguinhos que consomem sua meninice peralta.

Como me alegro ao ver jovens respeitando os mais velhos.  E como me alegra a alma ver gestos de carinho. Gentileza atrás gentileza bem sei.

Apraz-me sempre constatar que a bondade predomina. Em detrimento da maldade que nos causa ruína.

E como me sinto a vontade, é como um orgasmo depois de uma relação consumada. Ao ver terminar um texto. Um livro. Que seja.

Apraz-me ver o sol brilhar. Depois de uma chuva benfazeja.

 

 

 

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