Dilúvio de ideias

Como tem chovido nesse começo de ano.

Chove durante a noite. A chuva persiste no decorrer do dia.

Uma aguaceira de embarrear a estrada impedindo que cheguem àquela rocinha perdida nos cafundós de Judas.

Até parece que o mundo vai terminar em água. Uma água barrenta, suja e mal cheirosa.

A roça de milho foi salva.

Antes se pensava que ela iria se perder. Os pezinhos de milho, mãozinhas pro alto, parecia que oravam pela presença da chuva.

Dezembro se perdeu no calendário. Em seus estertores finais nada de a chuva cair.

Olhando pra cima apenas a azulice do céu se mostrava faceiro. O sol se mostrava por inteiro incendiando tudo ao derredor.

Eis que janeiro chegou.

O céu de repente acinzentou-se.  E caiu água a vontade. Mais do que o previsto.

Naquela rocinha pequenina, onde nasceu o menino Joãozinho, junto aos seus pais amados, era só a palavra trabalho que se ouvia.

Ora era a roçação da pastaria. De repente, quando o tempo permitia, todos iam morro acima ver o tratorzão arar a terra desnuda. Nela fazer sulcos profundos. Para deitar as sementinhas de milho miudinhas. E vê-las crescer devagarzinho. Até o ponto de espigas já não embonecadas prontas ao consumo. E como era apetitoso pôr as tais espigas no braseiro do fogão a lenha e ir comendo um a um os grãos de milho sapecados. O cozê-los ainda moles numa panela de água fervendo. Ou até mesmo fazendo curau adocicado com açúcar e salpicos de canela em pó.

Mas nesse ano em curso a chuva tão ansiada não dava tréguas.

Despencava forte ao cair da noite. Chovia durante as madrugada e continuava a chover durante o dia inteiro.

A família do menino Joãozinho não sabia mais o que fazer.

A roça de milho já estava no ponto de ser colhida.

Metade dela era pra secar ao sol. A outra para ser enfiada em valas rasas pra dar de comer ao gado.

Mas a chuva persistia forte. Varava noites e se deitava o dia inteiro.

Nada se podia fazer a não ser esperar a volta do sol.

Um mês inteiro se foi. E nada de o sol brilhar novamente.

Naquela noite o menino Joãozinho não conseguiu pregar os olhinhos. Passou a noite em claro embora do lado de fora da sua janela imperasse a escuridão.

Na sua oração costumeira passou-lhe pelas lucubrações um dilúvio de ideias.

Entre elas poderia citar. Por que não enfiar uma rolha na boca das nuvens e impedi-las de pingar chuva? Ou, por que não pedir ao sol que iluminasse a terra? Ela por certo iria agradecer o brilho do sol. E por que não suplicar ao santo formador de nuvens que lhes desse um descanso. Seria de bom alvitre ver a chuva serenar um cadinho. De novo os dias clareassem um pouquinho. Para poderem todos colher a roça de milho que já estava passando da hora de ser enfiada no buracão a fim de ser ensilhada. Se tardasse mais tudo estaria irremediavelmente perdido.

Naquela manhã o sol brilhou novamente. A chuva parou num instante. E todos, felizes da vida puderam subir morro acima para colher as lindas espigas já maduras.

Aquele dilúvio de ideias não é que deu certo?

A cabeça do menino Joãozinho até hoje vive povoada de sonhos. Como eu que sou um sonhador contumaz.

 

 

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