Propósitos de Nhô Chico

Avizinhava-se o final de mais um ano.

Prestes a enterrar o velho a vida corria mansa para aquele senhor. De nome Chico de não sei o quê. Pois ele nem foi batizado e muito menos conheceu os pais.

Nascido num ano que se foi ao longe e nem deixou saudade. Dizem nos arrabaldes que foi um ano de muita chuva. Ao revés desse em que a chuva nem deu o ar de sua desgraça. Pois quando chove muito é aquela tragédia. Enchentes descem do morro provocando alagamentos. Enxurradas barrentas levam tudo por água abaixo. E a única vantagem é que enchem os açudes de fundos trincados pela seca brava. Salvando a vida de girinos que um dia sonham em virar sapos e serem presidentes.

O natal do velho Chico não teve Papai Noel.

Na noite santa ela olhava pra chaminé que nem existia em sua casinha tosca e pensava ver o bom velinho descer por aquele buraco imaginário.

A meia noite virava dia. A escuridão de repente clareava.

Nhô Chico vivia na própria companhia.

Ele pensava que se bastava. Acostumado à solidão proseava com o próprio umbigo. Não tinha interlocutores a não ser um velho radinho de pilha. O qual, quando lhe dava nas ventas, tocava velhas cantigas de roda.

Aquele final de ano. Prestes a se tornar ano velho como ele.

O velho Chico fez a si mesmo alguns  propósitos.

Não mais iria à cidade. Lugar de ajuntamento gente que lhe era indiferente.

Não mais compraria nada que lhe fosse supérfluo. Tinha o bastante que precisava na sua vidinha descomplicada.

Nem ao menos se lembraria dos tempos passados. Viveria o presente sem sequer pensar num futuro pra ele inexistente.

Nunca mais iria se preocupar com preocupações desnecessárias. A sua cabeça estava cheia de problemas que não existiam.

Ele passaria a pensar apenas em coisas e loisas que valessem a pena. Aquelas outras nem fariam parte de seus piores momentos.

A felicidade sim seria uma meta de ir atrás dela sempre. A tristeza que se aquietasse quietinha em seu lugar.

Já que a vida é feita de escolhas ele iria escolher como meta escolhas acertadas. As que dessem errado nem se preocuparia. Talvez fosse atrás de propósitos mais fáceis de serem encontrados. Mas se eles se escondessem. Ah! Que mal que faz.

O ano velho se mostrava caduco. Outro ano nasceria em alguns dias apenas. Mas o velho Chico nem pensava nisso. As suas preocupações eram outras. Que só a ele pertenciam.

Seus propósitos, para o ano novo, era apenas cuidar da própria saúde. A dos outros nem se lixava.

Naquele dia, quase final do ano, Nhô Chico acordou com um estranho pressentimento.

Sonhou que choveu a noite inteira.

Abriu a janela e uma lufada de ar entrou por ela. Olhou pro céu e nada de indício de chuva.

Uma lua cheia brilhava ao lado de estrelas noctívagas.

Entre seus propósitos estava o desejo de uma chuva mansa para irrigar sua roça de milho que quase dava bonecas.

Naquele instante desabou um temporal. Uma chuvarada que perdurou por todo o dia.

Entre seus propósitos constava não se preocupar com o dia seguinte. Apenas e tão somente o presente a ele importava.

Mas essa meta não foi atingida.

Nhô Chico foi encontrado no dia seguinte em sua cama. Ele morreu sem atingir seus propósitos.

Mas, em seu leito de morte encontram mais um. Que dizia: “se eu morrer amanhã não se entristeçam. Pra mim meus propósitos foram alcançados. Acabei mais um ano. E ele ainda não terminou pra mim. Esse não é o meu fim. Apenas um recomeço. Já que creio em outra vida mais além”.

 

 

 

 

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