” Vô? Por que aquele menino dorme na rua”?

Ontem meu netinho Dom completou cinco aninhos.

Foi uma festinha em família. Poucos amiguinhos compareceram.

Seus avós. Ele tem a sorte de tê-los mais de quatro. Seus pais e tios estiveram presentes.

Presentes se debruçaram sobre a sua cama. Um grande dragão de dentes de borracha foi montado no andar de baixo de sua casa. Fui encontrá-lo logo a minha chegada suando entrando e saindo daquele brinquedo gigante que é inflado em parques de diversões igualzinho aqueleoutro visto em nossa praça principal aos domingos. Quando interditam uma rua transversal. A que fica perto de um ponto de taxi. Bem perto do clube de nossa cidade. Onde dantes, quando jovem ainda, em salões lotados brincava os folguedos de carnaval.

A festa do menino Donzinho. Que pra mim deveria se chamar Natalino. Prolongou-se até parte do dia. Quando ele assoprou as velinhas. E eu, já velhinho, me ausentei.  Depois de um forte abraço dado naquele menininho esperto. Irmãozinho mais novo do Theo. Priminho muito amiguinho de meu outro neto Gael.

Numa data antes. Véspera de outro natal passado.

Ao andar pélas ruas ao lado delezinho aos quatro aninhos.

Quando ele ainda morava no andar de cima do meu apartamento. Depois a família se mudou para um elegante condomínio que lambe a serra da Bocaina quase ao sopé dela.

Antes gostaria de deixar escrito a verdadeira essência do natal.

Pra mim não se trata apenas de presentear amigos e familiares. De jantar à luz de velas. Em ceias que quase varam a noite. De descobrir presentes debaixo daquela linda árvore enfeitada de bolas coloridas. Uma festa encantada mesmo aos olhos de gente crescida.

Ao meu entendimento a festa celebrada no dia de hoje. Domingo bem cedo ainda. Quase chegando ao dia vinte e cinco. Natal significa o nascimento de Jesus Cristo. Aquele mártir que se deixou imolar na cruz na tentativa inglória de salvar-nos de um destino cruel.

Num mundo onde a desigualdade impera. Onde as guerras ainda acontecem ao revés de procurarem a paz tão almejada.

Vivemos em eterno conflito. Não só de idéias como de animosidade.

Não se valoriza aquele que de fato tem valor. Dá-se importância a figuras inexpressivas. Pagam-se salários exorbitantes a jogadores de futebol conquanto homens do campo recebem somas irrisórias por seu trabalho exaustivo que não respeita sábados e domingos ou dias santificados como natais e datas símiles.

Nesse mundo desigual onde o fosso social nos ofende os olhos e faz cheirar mal nossas narinas.

Naquele dia, quando dei uma voltinha com meu netinho Dom no jardim. Era um domingo, como esse, véspera de outro Natal.

Percebi um meninozinho com sua mãezinha esmolando.

Eles dormiram num banco da mesma praça central de nossa cidade. Agora enfeitada de luzes natalinas.

Donzinho, aos quatro aninhos, olhou pra mim, com seus olhinhos entristecidos por aquela visão nada simpática e disse: “vô? Por que aquele menino dorme na rua? Ele não tem casa”?

Não foi fácil explicar a ele. Como não tem sido fácil viver esse natal.

Enquanto famílias bem aquinhoadas desfrutam de mesas fartas outras nem tem o que comer.

Enquanto a pobreza impera a opulência nos afronta a dignidade.

Enquanto lindos presépios são montados outros simulam. Como os sem tetos que moram em barracas improvisadas nas grandes cidades.

Tentando responder ao meu querido netinho. Que um dia me perguntou a razão de aquele menino dormir ao relento com sua mãezinha me calei.

Gostaria de a ele ter respondido: “Dom. Quando você crescer vai entender o porquê dos porqueres de tantas coisas que eu mesmo não entendo”.

E voltamos ao nosso apartamento ainda indefinidos.

 

 

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