“Mãe! Tá chovendo branquinho!”

Nada como a inocência e a pureza das crianças.

Ah! Se por acaso de um descaso pudesse eu, ao revés de completar setenta e quatro anos no próximo sete de dezembro caminhasse retrogradamente. Indo pachorrentamente em sentido anti- horário dos relógios. Unzinho a doizinho anos até me achar aos vinte. Ou indo mais distante em anos chegando pé ante pé aos menos de dez e tantos dos entre tantos. Caminhando mais longe ao colo de minha mãezinha. Não tanto crescidinho como me imaginava. Ou melhor. E como era gostoso quando engatinhando  ia pelo tapete da sala de minha casa onde morei até os cinco aninhos.

Será que naquele sobradinho cinzento como o dia em que hoje despontou, situado na rua Coqueiral, na bela Boa Esperança,  esqueci-me do número. Havia deveras um tapete na mesma sala? Ou o piso seria de tacos ou um frio cimentado duro como minha cabecinha dura que, mesmo atropelando os cantos das mesas, ou até mesmo as dobras das paredes, os galos que não cantavam como os galinhos garnisezinhos valentões que já moraram na minha roça eram de pronto desinchados no átimo de segundos em que minha mãezinha nele botava, além de um beijinho açucarado e docinho. Uma colher recém tirada da geladeira cuja temperatura era poucos graus acima da que amanheceu neste dia frio e nevoento desse dezenove de maio. Aqui em outra cidade que não aquela imortalizado por Lamartine Babo em sua linda canção “Serra da Boa Esperança esperança que encerra o coração do Brasil um punhado de serra”.

Aos cinco anos meus pais, trazendo-me já andando sozinho, mas ainda não pronto a deixar o ninho materno a alçar voo com minhas perninhas ainda despreparadas para voar. Mas podem dizer – “pernas não fazem voar”. Mas, anos passarinharam nas asas imaginárias que pensava possuir, passei a avoar, quase ganhando as alturas. No dia quando comecei a escrever. E que inspiração tamanha passou a fazer parte intrínseca do meu eu. Que não se desgruda de dentro de mim.

E, naquela mesma rua, por onde sempre passo ao cair das tardes, só me causa pena ao ver aquele lote vazio que me faz esvaziar meu coração já naquele terreno, prestes a dar começo a mais uma edificação. Era onde meus pais moravam há anos passados. Já que minha saudosa mãezinha nos deixou órfãos de sua pessoa respeitada por todos aqueles que tiveram o prazer de com ela estreitarem as mãos. E ouvir de sua linda boca um bom dia sequer ou outro cumprimento qualquer. Essa triste efeméride se deu em dois mil e cinco. Conto nos dedos exatos dezoito anos. Já meu pai fugiu para um lugar especial  aos setenta e sete no ano de dois mil exatos. Foi a partir de antão que dei  o chute inicial. Melhor dito digitar de começo,  ao meu escrevinhar compulsivo e diuturno. Na noite em que ele partiu deixei naquele meu primeiro livro editado essa crônica cujo título é – “Requiem um pai sem limites”. E a partir de aí não parei mais. Para aqueles que creem em escrita feita por por médiuns ditadas por espíritos desencarnados como um tipo de manifestação inteligente podem crer que é meu querido pai quem assopra aos meus ouvidos escutadores esses textos todos que pensam saírem de minha mente fecunda. No entanto seriam de autoria de sua alma que vagueia do meu lado a cada manhã.

E eu, meu irmão Fred Ozanam, e minha outra irmãzinha Rosinha, como sentimos falta de nossos amados pais. Só que eu, por viver e conviver em menor distância de onde moramos, talvez sinta falta maior que eles dois.

Voltando ao meu desejo de retroceder nos anos. Agora me situo aos cinco. Ou sete, já de  merendeira às costas, me preparando para ir à escola. A aprender as primeiras letras e fazer de conta que sentia pelos numerais o mesmo apreço. Aqui pertinho, na escola anexa do colégio Gammon, essa outra era chamada Kemper. Foi que minha primeira professorinha, a dona Beliza. Ambas, ela e sua filha, também mestra de nome Biló. Sucessoras de outra professora dona Vitória Lembi. Moradora de uma casa onde hoje foi reformada para ser a oficina de trabalho do meu primo Neto.

A dona Vitória foi a primeira que me ensinou a tratar bem as palavras naquela escolinha nomeada de Narizinho Arrebitado que dantes ficava no andar rés do chão do velho Vaz Monteiro. Logo defronte à morada dos meus pais e do querido tio Chico Rodarte.

Deixando a infância e a  inocência perdidas entre as brumas do pretérito agora me reporto ao presente.

Estamos atravessando quase o frio do inverno. Meados passados do mês das noivas já o frio mostra a temperatura esperada.

Hoje mesmo. Ao deixar meu apartamento, aqui pertinho, uma neblina densa mal nos permitia enxergar o casario baixo dos arrabaldes. Penso, sem tê-la mesurado, que a temperatura no exterior de minha sala aconchegante não chegaria nunca aos mais de dez graus.

Dizem, ao que não me canso de repetir: quando a cerração está baixa mais tarde o sol racha.

E deveras, olhando por fora da minha janela, mesmo de persianas cerradas, caso eu as erguesse, os raios do sol inundariam o íntimo de minha sala onde escrevo.

Quase chegando ao edifício das clínicas, seu Zito, ex retireiro, agora guardião de nossos doutores e enfermos, um meninozinho pequenino. Não sei se a espera de uma consulta ao pediatra, sua mãe o segurava  pelas mãozinhas irrequietas.

Ao entrarmos ao prédio, já de portas abertas, elezinho, com uma luvinha a aquecer-lhe os dedinhos. À sua mãe fez esta observação típica de criancinhas observadoras e espertinhas: “ mãe. Tá chovendo branquinho!”

E não é que estava mesmo…  Me molhei todinho naquela chuva branquinha melhor dia nevoenta.

 

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