“Vale não!”

Já disse o grande poeta português Fernando Pessoa: “tudo vale a pena quando a alma não se apequena.” Ou seria mais correto pequena?

E ele poetou ainda: “o poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve. Na dor lida sentem bem. Não as duas que ele teve. Mas só as que eles não têm. E assim nas calhas de roda. Gira, a entreter a razão. Esse comboio de corda. Que se chama coração”.

E eu não consigo simular ou dissimular qualquer tipo de dor. Dada a enorme sensibilidade que me cavouca o âmago ao ver uma criança chorando desconsoladamente logo tento embalá-la ou dar a ela uma bala. Para que seu chorinho cesse. E elazinha, dando-me um sorriso de volta, que seja de gratidão. Por meu singelo gesto de carinho, levado pela emoção de vê-la debulhando-se em lágrimas, aquilo me fere o peito como se um punhal de lâminas afiada ensartasse-me por dentro. Ferindo profundamente meu baú de emoções chamado coração.

Vamos deixar os versos de lado. Quem sou eu, com minha prosa insossa a fazer frente as poesias de Pessoa. Ou de um Castro Alves ou Mario Quintana. Ou outros quaisqueres. Os quais, mesmo não sendo mais deste mundo ainda nos encantam com seus poemas líricos e inspirados.

Vale em verdade a pena insistir? Quando em contrapartida outro alguém não nos quer ouvir?

Vale a pena tentar mais uma vez? Se os revezes são tantos que não posso contá-los nos dedos todos das minhas mãos.

Vale de fato a pena ir ao encontro de um velho amor quando ela já estava de lábios unidos a outros lábios mais sedutores que os meus?

São tantos vales a pena que não vou ficar aqui, nesta manhã linda de uma terça feira. Meados do mês de março. A tentar poetar quando mal sei cronicar.

Chamou-me a atenção, em tempos pretéritos, o caso de um senhorzinho, com a pele tostada pelo sol escaldante de sua rocinha. Pertin da minha na zona rural de Ijaci.

Seu nomezinho, já que ele é pequeninho, Mané. Não lhe lembro os sobres. Todos, naquelas bandas, onde bandidos são recebidos a bala quando por lá aparecem, conhecem o Manezinho por apelidos: Mané Fogo na Jaca. Mané Fio de Mãe Solteira, Manezinho Truvãozinho Mixuruca. E outros mais que esqueci.

Segundo não me fracassa a memória Seu Mané apartou-se, como se aparta um bezerro depois da mamada. Ao livrá-lo da amarração ao pé de trás de sua mãe vaca recém parida. Já que ele e sua consorciada não se bicavam boca a boca. E como ela era bocuda a danada. E como ela, que era chamada de Maria Vai com Qualquer Um. Adorava um bate-boca. E a dona Maria não levava desaforo pra casa. E ela não resistia e logo se deitava com o primeiro e o segundo que a ela botava um rabo de olho mesmo que fosse zarolho.

Na região a dona Maria era reconhecida como Maria Pegadora. E pegava cada um de dar inveja a urubu avoante em roda de carniça podre.

Foram anos e anos entre tapas e ofensas de ambas as partes. E olha que eles dois eram casados desde há mais de quarenta anos passados. Fora os de namoro que contam mais de dez.

Um dia Seu Mané acabou por encontrar um velho amor que julgava perdido no esquecimento.

Numa tarde, quase noite, quando a lua enfiava sua cabeçona no travesseiro de nuvens para tentar dormir. Essa mesmo ex namoradinha, dos bons e velhos anos de sua solteirice perdida quando o velho Matusalém completou seu centenário.

O não ainda tão velho Mané recebeu uma carta de amor. Sabem de quem?

Justamente dela- a Mariinha. Agora quase sessentona. Ainda em forma. Com o mesmo traseiro recheado de celulites e de formas arredondadas.

Foi um tal de cartas pra lá e outras vindo a cavalo pro lado de cá.

Eram cartas bem escritas em letras de forma para serem melhor compreendidas. Não garranchos como nós médicos fazemos em nossos receituários que só mesmo farmacêuticos entendem. Mesmo assim usando lupas de aumento.

E Seu Mané já estava apartado de dona Maria e a mandou ir com Deus. Que ela levasse as tralhas que a ela pertencia. E deixasse na casa onde eles moraram o cãozinho de muita estima chamado Barnabé.

E a outra a ele lembrava os velhos anos juntinhos e abraçadinhos no rela do jardim da praça principal de sua cidade. Antes, bem antes, de ele se mudar pra roça.

Mas a sua ex fazia cafuné na cabeça careca do Seu Mané como nenhures. E a comida que ela fazia era de encher panela e ainda sobrava para sobremesa.

Entre as duas o coração do velho Mané tiquetaqueava manquitola.

Era pegar. Ou voltar com a atual. A dona Maria que nele punha chifres não apenas com o padeiro como o verdureiro madrugão. E seus amigos mais chegados a ele recomendavam ser mochado.

Ou sumir na braquiária e voltar com a ex. Agora não mais menina moça e sim mulher vivida e carcomida pela idade.

Foi quando nos encontramos na porteira pertin da sua casa tosca.

“Seu Mané. Como vai de vida? Tá chovendo no seu terreiro? Ou tá seco como o açudinho onde os peixinhos morreram todos por falta de oxigênio e água para nadarem? E como vai a dona Maria? Ela ainda dorme ao seu lado esquerdo? Ou dorme noutra cama de algum ex qualquer”?

E ele me respondeu com um largo sorriso na face: “não sei se cago ou desocupo a moita de bananeira. Não sei se fico com minha Maria ou se vou atrás da ex namorada. É pegar ou deixar outro passar a mão nela”.

E eu, meio sabido e ressabiado logo o aconselhei: “vale não. Fica do jeitin que tá. Se melhorar piora. Caso contrário deixe ficar”.

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