Me perdoem meus netos

Já se foi ao longe meu tempo de solteiro.

Recém formado em medicina poderia escolher, tanto aqui, ou lá na antes bela e tranquila BH, a garota mais formosa e carinhosa que pudesse.

Mas, pioneiro que fui na minha especialidade que ainda muitos desconhecem do que se trata. Nunca seria demais elucidar-lhes as dúvidas. Explicando-lhes que a Urologia difere da Nefrologia por serem ambas que se desdobram em tratar patologias inerentes aos rins. Só que um singelo detalhe as diferencia. A primeira, a minha, trata-se de uma área cirúrgica prevalentemente. A Urologia opera as próstatas crescidas e obstrutivas. Antes fazíamos incisões enormes para sacarmos as pedras que interferem no caminho da urina até serem eliminadas ao lume do dia. Agora novidades apareceram na intenção de facilitar a vida dos pobres portadores de cálculos renais e ureterais. Sendo que o laser é mais usado tanto para fragmentar pedrinhas maiores como para deixá-las sair em caquinhos.

Da mesma maneira que a cirurgia indicada para sacar próstatas hiperplasiadas nos tempos hodiernos se faz via uretral ou pela robótica. E quase nunca precisamos abrir o abdome inferior de nossos pacientes em incisões entre músculos e aponeuroses. Depois de aberta a bexiga urinária retiramos a próstata cancerosa ou não usando o mesmo dedo que faz o toque para enuclear o tecido prostático.

Já a distinção entre a Proctologia e a Urologia explico-lhes que são ambas especialidades cirúrgicas. A primeira trata as patologias ano retais e do intestino final. A hemorroida e as fissuras anais são da competência da Procto. A confusão que fazem entre as duas antes citadas é que o urologista enfia seu dedo indicador pelo anus. Na intenção de examinar a glândula prostática. E muito acorrem ao meu consultório pensando ser eu especialista em doenças anais. E eu os encaminho ao meu distinto colega. Com votos de que ele consiga resolver o impasse.

Mas, voltando ao título dessa minha crônica desse treze de março. Nem bem o mês inda começou e já mostra cansaço e se mostra em sua quase metade.

Disse que minha solteirice já foi passado. E confesso nutrir saudades daqueles anos verdes que agora maduraram.

Já deixei dois filhos emersos do ninho. E eles dois aprenderam a voar em voos solos.

Eles dois me deram três netinhos.  Theo, Gael e o mais novinho de nome Dom. Esse último tem o dom de me fazer pensar como é bom ser bem pequeninho e artioso. De vez em quando seu pai, mais bravinho, muito parecido com meu netinho nascido depois dos dois, coloca-o de castigo assentado de costas a um banquinho privado de assistir seus desenhos animados ou de jogar seus joguinhos pelo tablet. E ele ali fica de cara amarrada. E só abre o sorrisinho ao ser convidado a assentar-se à mesa a hora da comida pois ele come como eu.

Já deixei meu legado aos meus dois filhos. Ao Stenio, advogado e leitor obcecado pelos livros. Agora de tenista bom de raquete passou a dar aulas de tênis a crianças e adultos.

A ele deixei como legado não o prazer de escrever e sim de ler. E, da mesma maneira ele herdou do meu pai a profissão que abraçou e a exerce com rigidez de sua ética e conduta ilibada.

Já a minha pequena jornalista, Bárbara, como o pai, sabe como poucos deitar no papel bons e inspirados escritos. Já hoje ela herdou de sua mãe o dom de estilista prendada como minha Rosa sempre foi.

Tomara que ambas consigam tocar a frente a sua marca já consagrada de nome Bárbara By.

Já aos meus três netinhos o que gostaria de deixar como legado?

Meus quase vinte e um livros editados? Parece que nenhures vai apreciar este meu legado.

Até no presente momento penso que tanto o Theo, ou até mesmo o Gael, ou o Donzinho, ainda não manifestaram o pendor pela escrita. Também pudera! Seria muita pretensão minha exigir deles que escrevessem igual ao avô se nem ao menos foram alfabetizados.

Seria um sonho surreal ver meus netinhos becados graduados em medicina como seu avozinho. Ainda longe da aposentadoria. Não carece que algum deles seja da minha especialidade ou cirurgiões plásticos como meu genro Daniel.

Que eles, ou um ou dois, quem sabe os três, acabem trilhando a advocacia como meu filho Stenio ou como meu saudoso pai Paulo Jose de Abreu. Se optarem pelo jornalismo que bom seria. Mas jornalistas sérios espalhadores de notícias verdadeiras não fakes.

Perdoem-me meus queridos e amados netos.

Se não pude deixar a vocês bens materiais ou um monte de dinheiro debaixo do colchão ou uma poupança bem gorda.

Se não posso deixar-lhes como herança fazendas enormes de gado e sim minha linda rocinha prejuizenta.

Me perdoem se deixo-lhes apenas tantos livros publicados. Em breve vai nascer mais um- Rakel.

Desculpem seu avozinho se não consigo deixar-lhes como legado viagens que eu nem mesmo fiz. Já que viajo sem sair do lugar romanceando ou cronicando a cada manhã.

Perdoem-me por não estar com vocês o tempo que gostaria de estar. É que moro longe de suas moradas. E seu avozinho desdenha de carros e nutre o maior amor pelas pernas andejas que não têm parança.

Perdão meus netinhos- Theo, Gael e Dom.

Não sei até quando seu avô vai estar por perto de vocês três.

Mas, tenham certeza. Quando eu aqui não estiver. Deixo claro como um céu azulado e ensolarado.

Lá, não sei onde nem quando, onde eu estiver escrevendo sobre o outro lado da vida.

Não lhes pedirei perdão pelas minhas ausências sentidas.

Vocês três estarão sempre presentes no meu coração. E ele, quando parar de bater vai aplaudi-los os três por suas conquistas onde estiverem e quais forem elas.

O que importa ao seu avô é que sejam muito felizes agora e sempre.

Um beijo carinhoso do seu avozinho Paulo Expedito Rodarte de Abreu.

Acordem nos braços de Deus…

 

 

 

 

Deixe uma resposta