Últimos desejos de Tião Falecido

Engraçado.

À beira do bico do urubu pouca gente manifesta seu último desejo.

“Desejo ser enterrado no mesmo jazigo perpétuo onde foram sepultados meus queridos amados pais”.

Ou então: “quando eu morrer não quero choro nem vela. E sim uma fita amarela. Gravada com o nome delas”.

Ou estendendo mais longe ainda: “quando eu tiver de morrer que seja num trinta de fevereiro. Numa tarde de um domingo feriado. Com uma chuvica mansa como a que está caindo nessa manhã cinzenta de vinte de janeiro”.

Já eu, quando eu necessitar de morrer, quando meu corpo alquebrado disser- “por favor. Não me deixem viver neste estado lastimável. Cheio de tubos e sondas a invadirem meu pobre corpo quase entregue aos vermes da terra. Deixem minhas veias em paz. Não piquem nenhuma agulha dentro delas. Não quero mais soro ou qualquer fármaco na tentativa malograda de tentar alongar ainda mais esta vida que se expira neste planeta chamado Terra. Mais um obséquio lhes imploro. Não me façam mais um exame de próstata. Já o fiz em tantos pacientes que nem me recordo seus nomes ou sobres. E, no meu ataúde branquinho, de um brancume imaculado como se fosse eu uma criança. Igualzinho aos meus tres netinhos. Com o cabelinho de anjo como o do Theo. Ou quiçá com o sorriso do Dom ou a esperteza do Gael”.

Já meu ex amigo Tião Falecido prematuramente após um grave acidente montado a cavalo. Num dia de terra molhada. Uma lama escorregadia fazia as quatro patas de sua égua de nome Bandida derraparem periclitosamente na estradinha curtinha que o levaria a casa de sua amásia. De nome Bendita. Uma mulher pra lá de bonita e apetitosa. Bem mais que o feijão tropeiro que fazia qualquer um repetir o prato. Este trágico e infausto acidente enlutou todos os arrabaldes. Fez chorar lágrimas escorregadias que empapavam os rostos de todos durante o velório. Não havia unzinho sequer que não lacrimejasse. Ou chorasse em profusão. Naquela capelinha modestinha enfeitada por flores do campo.

E ele deixou como testamento atestado em papel pergaminho. Escrito de próprio punho. Quando esteve internado no CTI. De um hospital que atendia pelo SUS. Exatamente estas palavras soltas que saltitavam como pardais no telhado da minha casa na roça.

“Por favor. Quem por acaso do descaso estiver presente ao meu funeral que atendam estes meus derradeiros pedidos. A vocês, amigos da onça ou do leão do imposto de renda. Não me cubram de rendas. E sim amortalhem o meu caixão com todos os livros que porventura da desventura eu tenha escrito. Se por um acaso meus livros ainda não forem editados que o façam com os do meu amigo escritor urologista Paulo Rodarte. Ele já publicou cerca de vinte livros entre romances inspirados. Recheados de cenas eróticas que descrevem o ato sexual com maestria de um experto. Não espertalhão como uma minoria o considera por ele mesmo vender seus exemplares pelas ruas e avenidas. Pois esse doutor do dedo indicador é um andarilho. Que caminha sempre pelas ruas e praças de sua Lavras amada com uma bolsa dependurada no pescoço curto. E aborda conhecidos e desconhecidos sempre de bom humor. E, a cada oferecimento um entre três acaba aceitando a venda. E por este ou aqueloutro livro acaba ou catirando por uma ou duas dúzias de ovos caipiras. Ou até mesmo recebendo por pix a importância que varia entre cinquenta e sessenta reais cada livro de sua lavra.

No meu ataúde de cor branca desejo que seja levado por uma qualquer concubina com a qual passei a noite sem dormir. Já que ela exigia sexo com camisinha e eu votei ao revés. Por considerar que sexuar usando preservativo dá no mesmo que chupar bala com papel. Ou pirulito sem descascá-lo de sua embalagem. Quero ainda, como último e inarredável desidério, que não falem fakes de minha pessoa. Que não atirem pedras no meu telhado de vidro pois ele pode, como um bumerangue, trazer de volta as voltas que o mundo dá. Por favor, lhes imploro. Já que estarei com um olho fechado e outro aberto. Não permitam nunca que falsos amigos chorem a beira do meu ataúde. E não deixem que segurem a alça direita do meu caixão esta ou aqueloutra madama que usa vestido comprido. Encobrindo os joelhos feiosos como os de porco sapecado à véspera do Natal. E permitam sim que me ajudem nesta derradeira viajem ao outro lado de vida. Se é que ele existe de fato. Uma ou uma fornada de mocinhas lindas e de traseiro arrebitado. Com aqueles peitinhos durinhos como pêssegos maduros e rosados. Mais um desejo. Se é que a ele tenho direito. Eu lhes suplico. Nunca votei no Lula molusco. E, se por acaso eu em verdade estiver mortinho da silva. Embora meu sobrenome seja Falecido. E eu estiver comendo capim pela raiz. Na escuridão da mãe terra. Não deixem faltar capim aos que votaram no presidente Lula. E, ao lado do capim picado adicionem um cadinho de ração a dar aos asnos ululantes. Eles fizeram por merecer. Sem querer me alongar demais vou me despedir de todos vocês. Com estas palavras chorosas. Por favor. Se ainda não compraram um dos livros do meu amigo médico escritor doutor Paulo Rodarte que o façam com a maior brevidade antes que eles esgotem. Meu muito obrigado. Tião Falecido de Pouco”.

 

 

 

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