Um tour pelas minhas saudades

Viajar pelas saudades é como tomar a máquina do tempo. Ir dentro dela lentamente. Não em direção ao futuro. Muito menos nos aprisionarmos dentro do presente. E sim andarmos. Em marcha-a-ré. Num retrocesso de acesso aos bons tempos que já se foram.

Ai que saudade da minha infância perdida. Ali pertinho passado. Num passado cada vez mais distante. De tanto quando contava com cinco anos. Até crescer um cadinho mais. Naquela idade quando os hormônios masculinos gritavam solenemte: “como desejo deixar de masturbar. Escondidinho no banheiro. Trazendo nos joelhos despidos a fotografia de uma garota gostosa que já foi capa da revista Playboy”.

Saudades rima como sensibilidade. E como a tenho de sobra. Da mesma maneira que a tal sensibilidade jorra no meu âmago mostrando-se. A sair dos meus olhos. Gotas salinas despencando-me face afora. Molhando-me não apenas o rosto agora macilento. Antes, quando menino. De pele lisinha como um pêssego maduro.

Já fiz um tour pela Disneylândia. Não só quando menino criança. Deixando-me conduzir pelas mãos que me inspiravam confiança. Quem me levou pela vez primeira a Disney foram meus pais.

E, no próximo ano. Se minhas preces forem ouvidas. De novo iremos repetir o mesmo presidente. Aí sim. Caso a nossa seleção canarinha se tornar hexacampeã. E o Bolsonaro se sagrar vitorioso. A felicidade vai ser tamanha que nem irei conter minhas lágrimas incontidas de pura alegria. Irei celebrar as duas vitórias com fogos de artificio e rojões. Desde que não incomodem os cães. Que podem, devido as suas audições apuradas. Assustarem-se com os estampidos.

Já fiz vários tours em menino.

Mais crescidinho. Maiorzinho. Fiz outro tour pela velha Maria Fumaça. Desta vez embarcado juntinho ao meu avozinho Seu Alberto José de Abreu. Pai do meu saudoso progenitor. Que não fora maquinista ou foguista. E sim carpinteiro como foi Jesus. Nas oficinas hoje escombros. Ruinas arruinadas. A espera de reforma premente. Na parte norte de nossa Lavras tão amada.

Outros tantos tours passaram-me pelas lembranças perdidas desde quando criança. Sempre estudioso e aplicado aluno que sempre fui. Nos tempos do Narizinho Arrebitado. Dos primeiros degraus vencidos no Kemper. Depois fui levado ao Gammon. Ia sozinho comigo mesmo. Levando uma merendeira cheia de guloseimas que minha querida mãe Rute preparava. E cadernos e livros de muitas letras inteiras. E agora, na aurora boreal da minha existência. Pelas letras, palavras unidas, pelas frases perfeitas, por tudo isso me apaixonei.

 

Já fiz tours em sair desta cadeira. Onde defronte mora um computador meio antigo. Logo a nossa frente mora um notebook. Onde escrevo e reescrevo romances. Escrever, e ler, é como se fosse uma viagem sem ter de pagar passagem ou. Quando vamos ao exterior. Não carecemos de falar outros idiomas. E, quando mais um livro termina pra mim é como se outro filho nascesse. Ou, um dos meus netinhos me acarinhasse. Coçasse a minha barba nevada. Buscando dentro de mim um Papai Noel que espera o final de ano para chegar de um dos polos trazido pelo seu trenó puxado por renas aladas.

Hoje, quatro de outubro, antes de aqui me assentar, defronte a este computador já precisando ser trocado.  Por um mais moderno. Como minha dedicada esposa estava à espera de um cateterismo. Ou até mesmo de uma angioplastia salvadora de suas coronárias semi obstruídas.

Antes de aqui chegar. Como de costume bem cedinho. Abri porta do meu consultório. Fiz os dois computadores funcionarem. De novo fechei a porta da minha oficina de trabalho. O prédio das Clínicas ainda se mostrava às moscas. Vazio. Voltei à Santa Casa. Pela porta dos fundos. Sem nenhures na portaria da Misseno de Pádua. Subi pelas escadas. Degrau por degrau. Passei pelo andar de baixo. Onde antes era a sala da Marieta. Na vizinhança da sala de refeições dos funcionários. Subi mais um lance de escada. Graças ao meu par de tênis recém chegado fui rapidinho contando os degraus até perder a conta.

Até o andar superior. Onde até hoje se situam as enfermarias destinadas aos convênios e ao SUS. Dei bom dias aos passantes. Muitos não me reconheceram. Já outros me cumprimentavam efusivamente. Não entrei em nenhuma enfermaria para não molestar aos acamados. Subi ao andar de cima. Sempre pelas escadas. Acabei por cumprimentar o elevador na tentativa ingrata de atenuar-lhe o cansado de subir e descer.

Mais um tour vencido. Entrei pela unidade intensiva de recém natos. Quantos bebês eram amamentados como bezerrinhos famintos. Pelas diligentes enfermeiras. Todas mascaradas. Apenas euzinho dispensava máscaras.

Deixei aquele logradouro desejando levar unzinho sequer para aumentar os meus três netinhos em quatro.

E, mais um lance de escadas me esperava chegar ao fim o meu saudoso tour pela Santa Casa. Agora bastante modificada de quando ali cheguei no longínquo ano de um mil novecentos de setenta e sete.

Por fim entrei no apartamento onde minha querida esposa, já acordada, com veias picadas, com soros a escorrerem veia adentro. E num sofá improvisado como leito minha pequena jornalista cochilava.

O exame invasivo. Uma mistura de exame com tratamento. Estava longe de ser feito.

A enfermeira de plantão. Naquele quarto andar de apartamentos. Me avisou que o cateterismo. E a provável angioplastia seria por volta das nove e meia.

De novo desci pelas escadas degrau por degrau. Com receio de torcer o calcanhar fui segurando o corrimão.

E foi aquele. Não apenas e tão somente um tour pelas minhas saudades. Como uma viagem ao passado.

A minha amada e tão querida esposa Rosa sucesso no seu procedimento. E que você retorne ao meu aconchego melhor ainda de quando a vi na manhã de hoje.

 

 

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