A pepineira, que não se dava ao desfrute, passava a vida inteira amontoando sacos de cimento, sem saber que um dia eles iriam endurecer

“Grande parte de minha vida passei amontoando letrinhas. Pensando, um dia, transformá-las em um lindo canteiro de rosas palavras escritas. Para, num futuro incerto, quiçá colher os frutos da minha tentativa malograda de disseminar cultura. Colhendo, um dia, quem sabe, um lindo canteiro de livros escritos” (Paulo Rodarte.com).

Pepinos não fazem parte de minhas predileções no que diz respeito a verduras e legumes.

Eles são indigestos. Fazem-me regurgitar os alimentos.

Já o outro significado da palavra pepino, sentido figurado, quer dizer coisas e loisas que nos causam aborrecimentos. Indigestos problemas maiores ou menores que temos de enfrentar.

Tem gente que se sente à vontade entre um amontoado de contas a pagar. Boletos, notas promissórias, duplicatas vencidas, são como girassóis espalhados num lindo campo de cor amarelo ouro. Ou, pensando melhor, seriam semelhantes a orquídeas recém desabrochadas. Recheadas de mil cores. Lindas e perfumadas. Prontas a serem vendidas num supermercado qualquer.

Tenho, ao meu lado, uma mulher valente, dizem ser tal e qual aquela juminha que vira onça, quando contrariada e contrafeita, e, de repente, sem mais que num repente, se transforma em uma loba de dentes arreganhados, pronta a dar o bote, tal e qual uma cobra peçonhenta.

Ambos fizemos obras que nunca terminam. São construções espalhadas pela cidade e no ambiente rurícola.

Uma delas, especialmente me atrai.

Trata-se de uma linda casa construída há tempos atrás. À beira de uma represa de águas ainda turvas quando chove. Que se transmuda em um lago de águas plácidas e cristalinas como a alma pura dos bebês.

Geralmente aos sábados damos uma chegadinha até lá. Se pernoitamos naquela linda morada conto nos dedos em apenas uma das mãos.

É um tal de buscar fogo antes que as brasas se apaguem. Ida e volta num átimo de minutos.

E um lugar paradisíaco. Recheado de verde e canto dos passarinhos.

Morcegos negros como a noite escura fizeram da nossa morada sua habitação predileta.

Pardais, canarinhos da terra, pardinhos filhotes, tico ticos que fazem seus ninhos e depois os abandonam. Para deixar outros pássaros se apossarem dos próprios ninhos.

E nós, depois de tantos gastos e tamanhos sacrifícios, mal desfrutamos daquele espaço único e inigualavelmente belo.

Aquela casa beira lago se compõem de quatro espaçosos quartos no andar de cima. Um banheiro onde cabem duas dúzias de banhistas podem perfeitamente se alojar por lá.

Descendo por uma escada linda, feita por um pedreiro caprichoso, dá para uma sala onde se encontra a televisão. Ao seu lado um outro quarto onde nunca alguém dormiu. Um outro cômodo de banhos, ainda virgem de uso, fecha os olhos quando algum desavisado entra naquele espaço amplo.

Ah!, não poderia jamais me esquecer daquela cozinha. Onde dois fogões à gás as chamas ainda crepitam. De vez em quando. Quase nunca. A enorme churrasqueira, um fogão a lenha ainda virginal de fogo, nunca foi usado. Até hoje tem a serventia de apenas enfeite. Acima dele panelas vazias esperam preguiçosas a hora e a vez de serem usadas.

Na outra dependência, daquela casona enorme, mora, lá embaixo, um salão de festa recém construído. Uma piscina, de águas limpas e cristalinas, apenas eu e alguns netinhos nos banhamos apenas e tão somente um par de vezes.

A garagem de barcos quase não abre o portão. Meu barquinho tosco não vê a hora de entrar naquele lago piscoso, cheinho de traíras, tilapias e tucunarés.

E os dois cavalos, uma égua comprada do meu amigo faceano de nome Marcelo, e um lindo cavalo castrado, batizado com nome do meu netinho primeiro, Theo, esperam a hora e momento certo para serem montados.

Tudo aquilo, construído com todo capricho, na minha rocinha antes prejuizenta, parece um castelo destinado ao abandono.

A minha pepineira Rosa, quando por ali passamos, não para um segundo. Ora planta as suas flores. Ora poda as suas árvores. Ora tira formigas ceifadeiras. Na maior parte do tempo reclama do meu ócio não evidente.

A gente perde quase a vida inteira tentando resolver pepinos. E, quando menos percebemos, chega a inesperada hora da partida.

Uma vez me pergunto: “pra quê tanta faina? Por que nos preocuparmos tanto? Se a vida passa. Se o tempo passarinha. Não sei até quando estarei por aqui. Daí a minha compulsão em simplesmente viver. Até que os anjos digam amém”.

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