Enfim, meu primeiro voo

Quem ainda não se deparou com uma cena linda e grandiloquente como esta. Se não viu não sabe o que perdeu.

Um dia, era cedo ainda, na varanda dos fundos da casa onde morei, da qual me mudei, conto os anos, de um ninho feito com todo carinho por um casal de beija-flores, um filhote, ainda por emplumar, bateu asinhas, inseguras ainda, e, olhando pro chão, empreendeu seu primeiro voo.

Ele acabou aterrissando perto de onde estava. Olhos maravilhados por aquela cena insólita.

Num ímpeto, não vendo seus pais por perto, acabei por recolocá-lo no ninho. Ele tremia como vara verde. Temeroso do que eu poderia fazer com aquele pobre passarinho.

Dias depois o mesmo filhote, já mais seguro, avoou pra longe. E aquele ninho ficou vazio. E nunca mais foi ocupado por outro casal de passarinhos.

Esta cena, pra mim idílica, me ensinou o que seja a tal pessoa chamada tóxica.

De acordo com a psicologia e psiquiatria pessoas tóxicas são aquelas que têm uma mentalidade negativa e comportamentos prejudiciais. Tanto para os que estão ao seu lado quanto para aquelas que o rodeiam. É via de sempre uma pessoa desagradável. Dotadas de violência emocional e até física. São pessoas que têm como características a agressividade, ciúmes, possessividade, obsessão, manipulação e desequilíbrio emocional. Que tendem a influenciar pessoas negativamente ao seu redor. São também conhecidas por narcisistas.

Mães, pais, podem ser chamados tóxicos. Quando tentam impor limites a sua prole. Não permitindo que eles avoem além do seu ninho.

E tentam tutelar aquelas pessoinhas que ficam prisioneiras do seu próprio lar. Mesmo até quando aprendem a voar.

Conheço uma meninazinha linda como um beija-flor, de asinhas que me lembravam as cores do arco íris.

Seu nome era Aninha. Esguia, pernas longas  como as de um casal de seriemas pernaltas, cabelos tintos em negro escuro, boca feita pra beijar, traseiro feito a compasso, para ser amado, linda como uma cotovia cantando num pé de jabuticabas madurinhas, em ponto de atrair os olhares gulosos das maritacas, inclusive eu, como gostaria de a ela acarinhar.

Aninha nasceu de uma familia abastada. Até se desprender da mocidade só fazia o que a mãe, tóxica, permitia.

Era tolhida em todas as suas vontades. Namorar, não lhe era permitido. Sair de casa, só acompanhada. Estudar, meninazinha inteligente, só o fez até completar o segundo grau,

Assim vivia, infeliz, a pobre mocinha linda.

Cresceu, espichou, e, graças a um tio bondoso, que nela via a infelicidade crescente, deu-lhe a oportunidade de, pela vez primeira, sair de casa, sem a presença e a tutela nefasta da mãe.

Foi como se uma aragem de ar puro entrasse por aquela janelinha que nunca se abriu para a vida.

Aninha se fez mulher. E como gostaria de se desprender do ninho materno. Ter a sua própria vida, ser dona do seu lindo narizinho arrebitado.

No seu primeiro voo solo conheceu um rapaz. Não foi do agrado de sua mãe tuteladora.

Ao lado dele pouco tempo ficou. Aos mais de trintanos Aninha continuava solteira. Sem ainda ter encontrado o amor.

Por absoluta falta de coragem, já que dependia dos pais para sobreviver, a nossa heroína não conseguia bater asas. E ficava em casa a espera de um milagre acontecer.

Até numa bela manhã de outono. Céu tinto em anil piscina.

Aninha juntou as tralhas, e partiu rumo a um destino ignorado. Foi, a partir de então, feliz como nunca se sentiu dantes. Começou como uma reles empregada. Depois tornou-se uma empreendedora de sucesso. Galgou vários degraus.

Um dia passei por elazinha. Aninha, com um fone de ouvido, por mim passou sem me reconhecer.

E depois do meu chamado a mim achegou-se exibindo, na face, um lindo sorriso que me encantou.

E me confidenciou, sigilosamente: “quer mesmo saber? Aquela Aninha de antes, nascida de um lar tóxico, não existe mais. Agora aprendi a voar sozinha. Conheci, desde quando me libertei, dos grilhões paternos, me tornei mais feliz do que nunca fui. Voar, pelas próprias asas, me permitiu conhecer outros céus. E ele agora é mais azul, do que nunca foi”.

 

 

 

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