O cachorro que aprendeu a berrar

Ladram os cães e a caravana passa. Assim diz o ditado.

Isso significa o mesmo que dizer: enquanto a gente faz algo pela cidade, ou pelo país, existem os do contra, a palpitar o revés. E tentam remar contra a corrente, tentando ludibriar a gente, que acredita num porvir melhor para todos nós.

Da mesma forma outrem dizem: cães que ladram não mordem. Experimente deixar eles terminarem de latir. E ponham a mão naquelas bocarras abertas. Se não tirarem a tempo vai ficar com uma mordida do tamanhão de sua língua ferina.

Amo cães. Da mesma maneira que admiro as vacas. Mas nem tanto os animais que as possuem.

Tenho profundo respeito por todos aqueles ditos irracionais. Mas quem diz que vaca não pensa? Elas ficam ruminando o tempo todo. Como se estivessem mascando chicletes. E elas se entendem entre elas. E toleram o chifre do feliz boi. Embora os chifres estejam fora de moda. Sobretudo na roça. Na cidade ele existe. É só olhar, na hora do almoço, quando o maridão se distrai, a espertalhona da madame logo o trai com o menos presumível do que se pensa. Logo o mordomo, o mais confiável do que se imaginava. No campo a vaca é mochada tão logo o cotozinho do chifrinho aparece. A ferro em brasa. E como deve doer…

Del Rey, meu pastor alemão, que não é resmungão, nem fala alemão, como eu, antes ficava trancado num canil feito com todo capricho quando ele era apenas um filhotinho.

Já tentei tirá-lo da solidão em que ele se encontrava. Uma vez feito rapaz, um belo rapagão, ali inseri algumas feminhas com as quais ele pudesse se acasalar.

Foram tentativas vãs. A derradeira delas, uma linda Border Collie, de nome Laika Rosa, escafedeu-se dali, talvez devido à voracidade incontrolável da testosterona que meu Del Rey tivesse em alto e bom tom.

Desde então ela foi vista viralatando pelas ruas de Ijaci.

A partir de aí Del Rey voltou a viver só.

Apiedado dele, condoído da sua situação de solteirão, ermitão enrustido, acabei deixando-o livre pra voar.

Agora ele vive solto como o vento da tarde. À beira da represa venta muito. E que vista linda se vê naquelas bandas.

Ele fez as malas e mudou de endereço. Del Rey, de mala e cuia, agora esbanja simpatia na casa do meu amigo Roberto.

Ele aprendeu a beber leite. Come a ração dos bezerros. Acredito até que é ele quem tira leite. Roberto até dispensou a ordenhadeira. Só que meu amigo cão não tem salário. Vou denunciar o arrendador da minha rocinha prejuizenta ao ministério a quem tem direito.

Hoje, pela manhã, bem cedo, numa manhã nevoenta, quase não se enxergava a um palmo do nariz, acompanhado pelo meu fiel escudeiro, um pintor faz tudo, de nome Clodoaldo, e como ele ama a sua Amanda, ali apeei a bordo a minha pratinha valente.

Del Rey logo veio me acompanhando. Com os olhinhos tintos de sono.

Reparei alguma coisa diferente no latido do meu cão amigo.

Ele não ladrava com seu latidão estridente e intimidante.

Ao seu lado corria uma penca de bezerrinhos saltitantes. Com uma alegria esfuziante.

Del Rey me saudou diferente. Ao invés de latir ele berrava. Como se fosse um filho da vaca malhada.

Acreditem se quiserem e puderem. Isso aconteceu de verdade.

Se puserem em dúvida perguntem ao meu amigo Clodoaldo.

 

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