Num dia como este imagine o Zé Gabiroba

E como tem chovido neste começo de ano.

A noite chove intensamente. Durante o dia a chuvarada se repete.

Não se vê a azulice do céu desde quando o ano fechou os olhos.

Aliás, sol é fruta rara nestes dias cinzentos.

E como a cinzentice me incomoda. Prefiro acordar, abrir a janela, deixar entrar por ela raiozinhos de sol. Ver o céu azul. Algumas nuvens claras até que são bem vindas.

Como de rotina, quando deixo o apartamento, as ruas estão vazias. Um ou outro madrugão se atreve a deixar o aconchego do lar.

Neste dia seis de janeiro não tive como deixar encostado na parede o pai dos esquecidos. Ele, o guarda-chuva, não apenas me serve de abrigo, como também evita que os pingos da chuva molhem o meu corpo pronto a recomeçar um novo dia. O ano recomeçou há alguns dias apenas.

E com ele a chuva persiste. Aqui, na cidade, ela não causa tantos problemas. O asfalto, mesmo que de má qualidade, não impede os autos de chegarem ao seu destino.

Já, onde mora o Zé Gabiroba, o herói da nossa história, apelido herdado em menino, por ter o costume de catar as tais frutinhas no meio do pasto, hoje quase não se pode vê-las mais, a esta hora já deve estar beirando o meio dia.

Zé acorda ao cantar do galo. Quando ele não serve como despertador faz o papel o cacarejar da galinha.

O relógio de cabeceira, onde repousa um copo cheio d’água onde se esconde a dentadura, anuncia antes das cinco da manhã. É hora de tomar um café requentado na trempe do fogão a lenha.  Comer um pão amanhecido. Sem manteiga ou margarina.

Calçado com aquela botina furada, herança do seu pai, falecido no ano passado, faça chuva o incendeie o sol, lá se vai o Zé procurar as vacas em lactação.

Com aquela aguaceira que continua a cair, na roça se dispensa guarda-chuva, no máximo uma capa surrada cuida de abrigar seu corpinho magricela, Zé Gabiroba parte em busca da vaca parida. E quem diz que a danada acompanha as colegas?  Ela pariu justamente num matinho perto. Escondida dos olhos gulosos dos urubus.

Depois de levar a fugitiva pelos chifres, por sorte ela não é vaca mocha, Zé chega ao curral não sem antes levar umas chifradas.

Com o gabiruzinho na cacunda, mais molhada que boi na invernada.

Antes da seis e meia é hora de chegar o caminhão leiteiro. Mais uma vez ele não desce o morro topetudo. E o pobre Zé tem de arriar a mula manca para levar os latões de leite ribanceira acima. E tome chuva. E leva o barro nos costados.

Zé não desanima. Tudo isso faz parte da sua rotina.

Quando chega às dez e meia é hora de preparar o almoço. O resto de arroz, misturado ao angu empelotado, repousa descansado na trempe do fogão a lenha.

E quem dia que a lenha molhada pega fogo? Naquele dia chuvoso o gás acabou faz tempo.

Zé fica sem comida naquele dia ingrato. Acaba comendo o mesmo pão amanhecido.  Junto à mesma broa de milho feita a semana passada. Os ratos famintos acabam lhe fazendo companhia. Acostumado a eles Zé não se importa de dividir a comida.

Antes do meio dia, tentando por o sono em dia, um leve cochilo, mais uma vez o valente Zé Gabiroba tem de encarar a trabalheira do resto da tarde.

E a chuva continua. A lama viscosa o faz atolar até os cotovelos. E ele tem de desatolar a melhor vaca que acabou atolando no brejo fronteiriço a sua casinha modesta.

Termina o dia antes das oito da noite. Uma noite chuviscosa se anuncia.

Na manhã seguinte a mesma cantilena. Com água pelo pescoço lá se vai o Zé atrás de outra vaca parida.  O telhado da sala de ordenha mina água pelos cantos. Tudo fica encharcado. Até a alma do estoico Zé amanhece molhada.

Aqui na cidade a chuva continua a cair. O céu amanhece cinzento.

Já na roça do pobre Zé não tem como reclamar. A lida continua. Faça chuva o descabele o sol.

E tem gente que ainda reclama do tempo. É gente que não tem o costume de trabalhar.

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