Arauto do fim do mundo

Parece, ao que tudo indica, que o mundo está se aproximando do fim.

Parece. No meu entender o parece não se parece tanto.

Tantas e tantas vezes foi noticiado o final do mundo.

E a vida continuou apesar das previsões mais pessimistas.

O amanhã sempre sucede ao hoje. O ontem se foi. Deixando no seu rastro uma saudade imensa do passado. Daqueles tempos idos quando a gente era criança e nem imaginava o porvir.

Certo que antigamente tudo era mais fácil. As doenças eram controláveis. Não se falava nesta pandemia que não tem fim. Nem se sabe ao certo quando foi o começo.

De vez em quando nos incomodava uma dorzinha de barriga. Uma tossezinha que era sanada com mel agrião. Uma verminose que se curava espontaneamente. Ou uma dorzinha de garganta sem maiores consequências.

Já hoje, nestes tempos difíceis, ora chove demais ora o sol incendeia.

A gente acorda sem saber o que vai acontecer logo ao cair da tarde. E dorme pensando que as coisas um dia irão melhorar.

Mais um ledo engano que nos assalta. E, por falar em assaltos como eles estão em moda. Mata-se somente para saber como vai ser o tombo. Morre-se sem saber o que vai ser do outro lado da vida.

Tenho um compadre, Seu Orozimbo, sujeito tido como adivinhador do futuro, meio bruxo, contador de causos e loisas do tempo em que era jovem, com quem sempre falo ao cair das tardes, quando de volta à cidade.

Ele, via de sempre, quase todo dia, encontra-se assentado a beira do caminho.  Logo defronte a sua casinha modesta. Onde ele vive solitário, em companhia de seu cão, por quem tem uma amizade pra lá de antiga. Dizem, nos arrabaldes, que o velho cão em verdade é fruto de uma paixão que se perdeu nos cafundós de antigamente.

Em verdade acredito. Pois aquele cão tem uma enorme parecença com seu dono.

Naquele dia, chuvoso, quando me encaminhava à cidade, era quase final de tarde, deparei-me com Seu Orozimbo assentado no mesmo lugar costumeiro.

Ele mascava um paiero apagado. Assentado nos seus calcanhares.

Puxei prosa com um amistoso boa tarde. E ele me respondeu, sem olhar na minha cara, com outro “tarde”.

Antes tarde do que nunca. Pensei cá comigo mesmo.

Para não perder um amigo apertei-lhe a mão cascorenta. Senti nela um suspiro de amargura.

“Por que esta tristeza que lhe infesta a alma? Alguma coisa o incomoda”?

Seu Orozimbo permaneceu calado. Parecia contrariado com minha loquacidade.

Enquanto eu falava ele permanecia mudo. Não era de seu costume.

Antes que me despedisse, já que não tinha interlocutor, Seu Orozimbo, afinal, assim se declarou: “olha. Abra os olhos. Não sei o que vai ser do amanhã. As coisas vão de mal a pior. A tal doença ameaça acabar com o que sobrou da saúde do mundo. A chuva não dá tréguas. Perdem-se vidas antes do tempo. A crise não tem hora de melhorar. A fome, a miséria, tem aumentado gradativamente. As crianças não tem como voltar a escola. Cada vez mais a gente fica sem perspectivas de um futuro melhor. Ignoro o que vai ser de nós. Eu aqui permaneço vaticinando o final dos tempos. Cada vez mais tenho receio do que vai acontecer no dia de amanhã”.

Na volta pra casa fiquei matutando sobre as palavras do compadre Orozimbo. Seria ele um arauto do final do mundo? Tomara não seja tanto assim.

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