Mistura de amor com falsidade

Como identificar o verdadeiro amor? E qual seria o seu sabor?

Creio que uma mistura de mel com o sumo doce da laranja da ilha. E uma pitadinha de açúcar mascavo. Ou um adoçante doce como o beijo de uma mãe. Ou, pensando melhor, o sabor amaro de um amor que se foi. Pra nunca mais voltar.

Já provei alguns sabores de amor. A maioria foi bastante apreciada.

Lembro-me bem, daquele dia, perdido nas brumas do tempo, de quando caí daquela bicicletinha de rodinhas amarelas, despenquei de uma rampa dura como minha cabeça teimosa, e dali nasceu um galo. Um que não canta. Mas só desincha depois de um beijinho doce, como só ela sabia fazer.

Ai que saudade da minha querida mãe. Ela morava naquela casa que nos dias de hoje é reduzida a escombros. Daqui de cima ouço a máquina cavoucando a terra. O que foi construído por muitos anos em poucos dias nada mais restará daquela casa. Senão lembranças ternas.

Outros amores existem. Amor que não resiste à distância não é amor de verdade. Embora a ausência seja sentida devemos ter paciência. Um dia acaba a separação. E novamente estaremos nos braços um do outro.

E aquele amor que terminou graças ao ciúme deslavado? Este, embora pensem ser verdadeiro, nada mais é do que um amor de passagem.

Amor tem diversos matizes e cores. Cores vivas. Cores mortas. Cores distorcidas da realidade.

Amor jamais rimaria com falsidade.

Assim me confidenciou um amigo. Que, nos tempos de agora curte seu amor impossível em outras esferas.

Joaquim, personagem como outro qualquer, era oficial respeitado na lida. Era mestre com a enxada nas mãos. Um enxadachim de primeira.

Trabalhador contumaz, consumido pelo trabalho exaustivo, o amigo Joaquim permaneceu solteiro até mais de quarenta anos bem vividos.

Até que um dia apaixonou-se por uma rapariguinha vistosa. Seu nome era Joana. Mas bem que poderia chamar-se Maria.

Por ela caiu de amores. E pensava, com sua inocência de menino, que seria correspondido.

No primeiro ano de namorico tudo andava às mil maravilhas. Joaquim tinha dinheiro o bastante para oferecer vida fácil à amada amante.

Mas nem tudo dura uma eternidade. Ela é efêmera e passageira. Volúvel como um amor que não resiste à beleza da mocidade.

Um dia, desempregado, por contingências da vida, eis que começara a tal pandemia, e o pobre Joaquim se viu em dificuldades, o dinheiro terminou, a vida fácil despencou, eis que a namoradinha pra ele olhou com olhos de desinteresse, aliás nunca foi amor verdadeiro, e sim puro interesse, eles se separaram.

Joaquim pensou em dar cabo da vida. Experimentou na boca o hálito amaro do abandono.

Foi quando nos encontramos. Ele se mostrava prestes a saltar de um viaduto. Lívido, olheiras profundas marcavam-lhe o canto dos olhos. Nada se permitia ver  nele o desejo de continuar a viver.

Joaquim me olhou com olhos inexpressivos de saudade dela. Joana nunca mais foi vista. Ela se fora num dia do qual se recorda intensamente. Aquele fora seu derradeiro momento de felicidade plena.

E ele me disse, referindo-se ao amor de verdade: “aquilo não foi amor. E sim pura falsidade.”

 

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