Vacine-se

Nunca se deu tanto valor a uma simples espetadela no braço.

Procedimento aguardado com sofreguidão pelo o mundo inteiro.

A tal pandemia alastrou-se como fogo em seca brava. Dizimando vidas. Enlutando famílias inteiras. Contabilizam-se óbitos da mesma forma que se contam bocas famintas mendigando sobras.

A crise se alastra desde o ano passado. Desde o começo da virose não se fala noutra coisa.

Parece que as outras enfermidades perderam a importância. O câncer, as doenças do coração, as outras infecções, as doenças incapacitantes, as de cunho emocional, outras tantas, ainda não deixaram de existir. Elas coexistem da mesma maneira que dantes. Só que, devido à doença da moda, a mídia não fala noutra coisa, é motivo para embates políticos, desavenças entre figurões não muito notáveis, pessoas não muito confiáveis, que só enxergam por baixo do próprio umbigo.

Ai que saudades dos velhos tempos. Quando os hospitais ainda ofereciam vagas para uma simples apendicite. E os centros cirúrgicos eram salas disputadas. Onde médicos cirurgiões operavam de madrugada ao cair da noite.

Hoje, com as unidades de tratamento intensivo lotadas, pacientes a espera de oxigênio, profissionais de saúde desesperados, não vejo a hora de podermos novamente sair às ruas. Abraçarmos uns aos outros. Confraternizarmo-nos como nos velhos anos.

Agora, a mercê de tal enfermidade, mais se parece uma novidade alarmante, a tal vacina promete ser a salvação da humanidade. Nestes tempos tão sofridos.

Pena que não se possa vacinar ainda contra tantos contratempos.

Não existe vacina contra a falta de responsabilidade. Pessoas ainda se aglomeram pelas ruas em pancadões que varam a noite. Sob a égide da bagunça traficantes mostram armas.

Da mesma maneira não existe ainda vacina contra a falta de vergonha. Indivíduos inescrupulosos afanam sob a luz do dia. Ah!, o crime ainda compensa.

Inexiste vacina ainda contra a falta de decoro. Políticos são pilhados com malas cheias de dinheiro. Passam a noite na cadeia. E de novo são libertados graças à impunidade que os ricos ostentam e compram a peso douro quem deveria julgá-los. E saem livres como passarinhos em pleno voo.

Ainda não existe vacina contra o desnível social. Ricos cada vez mais opulentos. Pobres em esmagadora maioria esparram-se em todo território nacional.

Da mesma forma não existe vacina contra o mal caratismo. Ainda se leva vantagem em tudo. Como se fosse regra passar pra trás ao pobre cidadão que ainda considera a honestidade uma virtude.

Pena que ainda não inventaram a vacina contra a injustiça que ainda predomina. Em verdade paga cadeia um pobre ladrão de galinha quando um de colarinho branco é solto no mais tardar no dia seguinte.

Ainda não criaram vacina contra a corrupção nas altas esferas. A polícia nada pode fazer contra aqueles salafrários endinheirados. Cadeia é lugar de prostituta, preto e pobre. Essa verdade salta aos olhos.

A partir de ontem começaram a vacinar em nosso pais. Devemos sim celebrar tal momento mágico.

Quem sabe a tal pandemia pare de nos perturbar. Em algum momento isso vai acontecer.

No entanto, quem sabe um dia, alguém consiga descobrir as outras vacinas. Aí sim, teremos motivo de sobra para nos jubilarmos.

 

 

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