“O que me importa? Conservo a vida.”

Nada mais importante do que a vida que nos acorda a cada dia.

O sol que brilha. A chuva que cai. O burburinho das águas de um riacho. O sorriso de uma criança.

Até mesmo o ladrar de um cão me encanta.

Nada melhor do que acordar, depois de uma noite calma, de um soninho gostoso, ouvindo o tamborilar das gotas de chuva no vidro da janela. Ou um passarinho cantar.

A vida é bela. Mesmo ao sabor dos contratempos que temos de enfrentar no dia após dia.

Não fossem os momentos ruins como poderíamos avaliar os melhores? A felicidade completa não existe. Ela é feita de instantes efêmeros. Salpicos de neve em meio ao inverno que mal conhecemos.

Conheço um senhor que vive em meio as suas plantações de verdura.

Seu Benedito é um feirante como outro qualquer.

Aprendeu o oficio com os pais. Desde os sete anos ajudava aos progenitores naquela horta enorme. Nos arrabaldes de uma cidade grande.

Sempre acordou cedo. Antes das cinco da manhã já se punha de pé. Estudava na parte da tarde.

Benedito, ainda menino, era ele quem pesava as sacolinhas de tomate. Recebia a féria do dia. E, ao mesmo tempo, contabilizava os prejuízos.

Há tempos perdeu os pais. Assumiu a pequena barraca. E dela ganhava a vida.

E que vida dura era aquela. Enfrentava os atropelos do clima.

Aprendeu, com o passarinhar dos anos, que o tomate não se dá com a chuvarada intensa. Que as verduras de folha escasseiam no tempo chuvoso. Que os legumes, debaixo da terra, resistem a quase tudo. Que o preço das verduras oscilam entre a oferta e a falta.

Mesmo assim Seu Benedito levava a vida. Sempre otimista fosse o tempo que fosse.

Um dia, era meados de janeiro, deste ano em curso, caiu uma tempestade de fazer Noé pensar em fazer a arca.

Como de rotina Seu Benedito acordou ao nascer o sol. Era um solzinho tímido. Sol de verão. Sob a iminência de mais chuva no decorrer do dia.

De repente desabou uma aguaceira. A enxurrada foi levando tudo de roldão.

Naquele dia fui à feira.

Encontrei tudo alagado. As barracas boiavam ao sabor da enchente. Todos os feirantes estavam desesperados.

As perdas foram enormes. Dava pena ver tudo aquilo perdido. Não seria possível contabilizar os prejuízos.

Encontrei Seu Benedito num lugar parcialmente alagado. Ele estava tentando recolher o que restou de seus pertences.

Ele havia perdido quase tudo. Tudo que tinha foi levado pela enchente.

Foi quando, naquela hora de terrível sofrimento, dele ouvi estas palavras, que me serviram de suporte para continuar a minha vida.

“O que me importa?” Disse ele, quase monossilabicamente. “Dentro desta fatalidade enorme conservo o mais importante. A vida que tenho levado”.

“E pretendo seguir adiante. Mesmo ao sabor das intempéries.”

Neste exato instante pensei, cá comigo, pra que me angustiar por qualquer coisa. Se tenho tudo que sempre desejei. Os percalços são para serem vencidos. E a felicidade só depende da gente.

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