Dona Mercê, a mercê das minhas ideias

Como tem chovido nestes dias de janeiro.

Chove durante a noite. Continua a chover no decorrer do dia.

As grandes cidades sofrem ao sabor das tempestades. Veem-se alagamentos por todas as partes.

Pobre ribeirinho. Ao acordar, ao pensar que foi um mero pesadelo, acorda com água até o pescoço. E ele acaba perdendo tudo que conquistou durante uma vida inteira.

Assim era a vida de Dona Mercê. Uma senhora, balzaquiana, que viveu a vida inteira na beira de um rio.

Quando chovia era aquele martírio. Não conseguia dormir preocupada com o dia seguinte.

Naquela manhã de janeiro choveu durante a noite inteira. O céu vomitava água. Nuvens cinzentas prenunciavam mais chuva no desenrolar da semana inteira.

Dona Mercê, em verdade era Mercedes seu nome verdadeiro, era uma religiosa de uma fé que removia montanhas. Orava durante todos os dias. Tinha verdadeira veneração por uma santinha de cabeceira.

Naquela manhã, bem cedo, antes das cinco, quase madrugada, Dona Mercê acordou em sobressalto. O céu se mostrava escuro. A azulice do céu mal se deixava ver.

O rio, seu vizinho, desde quando ela nasceu, transbordava a olheiras vistas. Uma enchente se prenunciava.

Não restava a Dona Mercê outra opção senão deixar a morada. Saiu com a roupa do corpo. Como estava a tomar banho, enrolada a uma toalha, deixou a residência ainda ensopada.

Foi uma correria danada naquela manhã de janeiro. A chuva durou dias. Varou noites. E continuou a chover durante dias a fio.

Sem onde morar, ao desabrigo, dona Mercê teve uma ideia genial. Foi morar dentro do rio. De uma senhora sem nenhum atrativo de formosura ela se transformou numa sereia.

Diziam, nos arrabaldes, que em noites de lua cheia ela cantava. Um canto lírico. Triste e ao mesmo tempo sombrio.

Assim passou o tempo. Anos se sucederam.

Desde aquela noite chuvosa ninguém mais viu a dona Mercê.

Corre a lenda, dizem os linguarudos, que aquela senhora ainda mora dentro das águas do rio.

Ela, metamorfoseada em sereia, encanta os pescadores. De vez em quando um deles desaparece. Nada mais resta daqueles moços de corpos esguios e bem torneados.

Eles, segundo reza a lenda, se enroscam nos longos cachos da velha sereia, e se tornam príncipes encantados.

Até hoje não sei se devo acreditar no que dizem. O fato é que, nesta manhã, neste dia doze de janeiro, durante a noite escutei um canto triste.

Era uma velha senhora cantando a sabor dos pingos da chuva. Seria a dona Mercê?

Em verdade era eu, a mercê das minhas ideias de jerico.

 

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