” Falta-me tudo”

Há tempos venho pensando. O que me falta para ser feliz?

Bem sei que a tal felicidade é composta de instantes fugazes.

Ela se desfaz com a velocidade do vento. De repente, sem mais que num repente, a felicidade desaparece num átimo.

Ela é efêmera como um suspiro. Pode-se inclusive compará-la a um espirro. A um uivo de saudade de um filhote a falta da mãe. Inclusive a um gemido de dor. Que em pouco tempo se desfaz. Assim que o sofrimento passa.

Bem sei que a felicidade passa assim que a tristeza adentra em seu lugar. No mesmo instante em que estamos felizes tornamo-nos melancólicos. Sem explicação aparente.

Eu, durante toda a vida que me foi contemplada ao nascimento, me considero uma pessoa sem motivos para tristezas. Muito embora, de quando em vez, a inquietude vem. Mas, no instante seguinte tudo se converte em sorriso. Neste exato momento, ao olhar para o lado de fora da janela, e olhar o horizonte, neste dia vinte e dois de setembro, inicio de primavera, ao perceber o quanto o dia se mostra lindo, por que razão me deixar infeliz, se tudo tenho para me alegrar nesta manhã tão linda.

Em absoluto nada me falta. Felizmente tenho de tudo.

Tenho saúde a emprestar aos outros. Até a presenta data nenhuma enfermidade de maior gravidade me fez recolher ao leito de um hospital.

Fui presenteado com uma família maravilhosa. Tanto a que me antecedeu quanto aquela que ajudei a constituir. Tenho dois filhos que nunca me deram problemas. Três netinhos maravilhosos. A continuação de mim. Uma esposa que me ampara nos momentos de introspeção e apatia. Um irmão que apesar de distante pensa sempre em mim.

Não me falta nada. Talvez um pouco de tranquilidade. Gostaria de ficar na cama um pouco mais. Desfrutar o convívio amistoso do meu travesseiro. No entanto a cama me cospe logo cedo. Não tenho paciência que gostaria de ter. A inquietude quase me sufoca. Por isso sofro. Talvez por excesso de sensibilidade.

Não tenho do que me queixar.

Numa manhã bem cedo, quando me dirigia ao consultório, deparei-me com uma cena que me fez pensar.

Enrolado a um cobertor surrado, dormia a sono pesado, um sem teto. Ele dormia debaixo de uma marquise. Chovia naquela manhã de um setembro passado.

Quando por ele passei percebi que ele estava acordando.

Esfregava os olhos baços naquela manhã de setembro.

Sem querer a ele perguntei se precisava de alguma ajuda.

Ele me respondeu num muxoxo.

“Quer saber? Preciso sim. De um teto para dormir. De uma família que cuide de mim. De uma refeição que me sacie a fome. De um emprego que me dê o sustento. Preciso de tantas coisas que se torna quase impossível enumerá-las. São tantas. Se o senhor puder me ajudar, por favor, pague pelo menos o meu café da manhã. Ficarei eternamente grato”.

Depositei uma quantia modesta em sua mão estendida. Era o que podia oferecer.

Uma vez em casa, durante a noite, fiquei devaneando. A ele lhe falta tudo. A mim, nada me falta.

 

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