“Absolutamente, não me canso”.

Nestes tempos difíceis por que estamos passando confesso certo enfado.

Todos os dias a mesma rotina. Crise, preços em alta, pessoas endividadas, mortes, a tal pandemia que não acaba nunca, violência desmedida, hospitais lotados, corrupção desenfreada, e, se não bastasse tudo isso, ainda ontem, na parte da noite, presenciei uma cena que me fez pensar.

Uma criança, bem pequenininha, usando máscara, perguntava a sua mãe: “mãezinha, quando é que a gente vai voltar à escola? Sinto falta da minha professorinha. E também das minhas coleguinhas. E de todo mundo que me encontrava quando ia à aula”.

Na hora a mãe não teve resposta. E eu me pergunto: “seria o risco de contaminação pela tal virose maior do que nas praias lotadas. Ou nas filas enormes que se formam à porta dos bancos? Será”?

Estou em verdade cansado de tanto ouvir falar da mesma ladainha. Há meses não se fala noutra coisa. Como se falar de flores se tornasse uma utopia.

No sábado passado, antes do feriado, fui ter à minha roça.

Ali encontrei um compadre. Zé Bento sempre é encontrado na curva do caminho. Assentado a uma pedra enorme, um banco de granito improvisado que lhe serve de assento, a beira da estrada poeirenta.

Parei por uns parcos minutos junto dele. Apeei da minha caminhonetinha prateada. Como era inda cedo esticamos um dedo de prosa. Sempre, quando por ali passo, o tempo me diz, com sua voz fanha: “não perca tempo. As contas o esperam. E os juros estão cada vez mais exorbitantes”.

Naquele sábado, à beira das cinco da tarde, ao manifestar o meu descontentamento ao amigo Zé, o meu cansaço frente à rotina, sempre massacrante, dele ouvi, sem nenhum sinal de enfado, estas palavras que me fizeram pensar na vida.

“Quer mesmo saber, meu caro amigo. Aqui estou desde as três da tarde. Acordo cedo. Antes das cinco da madrugada já estou de enxada em punho. Remendo cercas. Roço pastos. Quebro roças de milho a mãos desenluvadas. Coleciono calos nas mãos desde quando tinha dez anos. Vivo do meu trabalho. Ele não me mete medo. Tenho saúde a emprestar aos outros. E olha que já dobrei a serra dos oitenta anos. Não assisto à televisão. Seleciono o que me apraz ouvir. Sou feliz a minha maneira. E deixo as noticias ruins a quem interessa saber”.

Despedi-me do amigo Zé desejando-lhe um ótimo sábado. Embora sabedor dos seus problemas, quem não os tem?

Naquele dia, quente, ensolarado, sem sombra de chuva no alto, fui embora pra cidade, pensando no que fazer.

E ele ainda me disse, com aquela vozinha suave, estas últimas palavras, que para mim soaram como um canto de bem-te-vi: “em absoluto não me canso. Canso-me sim das pessoas desanimadas. Que vivem a reclamar da vida. A minha está pra lá de boa. Se melhorar, piora”.

O meu cansaço, o meu súbito enfado, como num passe de mágica desanuviou-se. Ele cedeu lugar a uma alegria imensa. Desde então nunca mais senti cansaço. Não tenho motivos para reclamar da vida. Ela só não é melhor por culpa unicamente minha.

 

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