Sempre tive uma ideia preconcebida sobre os amigos.
São pessoas afáveis, prontas nas horas certas ou incertas, solícitas quando a necessidade grita, em quem se pode confiar cegamente, que nos oferecem o ombro amigo quando é preciso, estão juntos na tempestade quanto na calmaria, nas carências ou alegrias, em qualquer instante eles estão presentes, em cada momento de nossas vidas.
Não é fácil adjetivar amigos. Durante minha vida longa tive alguns. Muitos já deixaram presentes as suas marcas indelevelmente marcadas em meu coração. E ainda estão comigo. Mesmo nas suas ausências.
Um deles veio a se despedir de mim recentemente. Até hoje ignoro qual foi o motivo do seu passamento. Ele não era tão velho assim. Talvez um ano ou mais distante dos meus setenta anos.
Durante a vida inteira colecionei amigos. Creio que algum desafeto ainda não me aprecia. Mas isso faz parte de viver a vida. Talvez por falta de conhecimento algum deles não gosta de mim.
Um dia, quando fui apresentado a um amigo novo, ele me confidenciou que numa tarde, chuvosa como esta manhã, ao sair à rua durante uma chuvarada intensa, acabou precisando de um guarda-chuva. Um passante exibia nas mãos dois destes apetrechos protetores.
Ao ser indagado se seria possível deixar um deles em suas mãos, ele respondeu, contrafeito, se quisesse poderia vender um deles. E que custaria a bagatela de duzentos reais.
Chovia a encher baldes. Mal se via a azulice do céu. Por aquela importância assaz fora do contexto não seria de bom alvitre desembolsar uma soma enorme como aquela para comprar um guarda-chuva que custaria no máximo vinte reais.
Passaram-se dias. Meses se sucederam. Naquela mesma rua, noutra manhã rica em sol, aquela mesma pessoa novamente se cruzou com aquele amigo.
Ele ainda trazia os dois guarda-chuvas ainda novinhos em folha. Não conseguiu passá-los adiante. Por um preço nada camarada nenhum otário seria capaz de desembolsar tal soma de dinheiro.
Quando passei por aquele amigo ele me contou a sua história. Conversamos por alguns minutos.
Ele estava com fome. Fora desempregado há exatos dois meses. E nada tinha para comer.
Fomos a uma lanchonete. Passamos ali momentos agradáveis.
A hora de pagar a conta percebi que ele não tinha nada nos bolsos vazios.
Fui eu quem o livrou daquela dívida recente.
Apertamo-nos as mãos efusivamente. Despedimo-nos como se fossemos velhos amigos.
Entretanto mal o conhecia.
Uma semana depois nos vemos de novo. Ele estava triste. Desalentado.
A vida não estava sendo fácil para aquele amigo.
Antes de nos despedirmos ele assim me disse: “aquele amigo, de dantes, o que tentou me vender o guarda-chuva, é um amigo falso. Amigo é aquele que não nos vira as costas quando mais precisamos. Amigo de verdade não nos falta nas horas fáceis ou difíceis. Você sim. É aquele verdadeiro amigo. Receba o meu abraço sincero. E meus votos de amizade eterna”.
Até hoje penso que ser amigo é comungar a dor de outrem. E confortá-lo nos momentos que mais precisa.
Ser amigo é pra todas as coisas.