É como se fosse hoje

Ainda me lembro, lembranças fugidias, dos tempos distantes da minha infância.

Aprendi a andar quando contava com quase dois anos completos. Pelo menos isso pode ser visto numa fotografia em preto e branco que se mostra por detrás de onde escrevo.

A pronunciar as primeiras palavras depois de caminhar. Aprendi primeiro o papai, mamãe, ensinados pelos dois. Depois desatei a chorar. Chorava por qualquer motivo.

Chorava por ficar de castigo. Creio que merecido. Fazia manha quando não era satisfeita a minha vontade.  Fui o primeiro filho daquele casal. E o primeiro neto do meu avô Rodartino.

Daí o xodó que sentiam por mim. Pelos meus cabelos lourinhos que em pouco tempo escureceram. Pelo meu sorriso aberto que fizeram de mim a pessoa alegre que me tornei.

Tudo aquilo passou. Como o tempo passa depressa! Quando se vê não mais temos vinte anos. Quando menos se espera envelhecemos.

Mesmo assim, contrariando os ditames do tempo, é como se fosse hoje que deixei de chorar por qualquer coisa. Agora o choro só vem quando a razão é forte demais. Como exemplo o dia em que perdi meus pais.

Sinto-me como se fosse agora quando chegavam as férias de final de ano. São doces recordações singelas da minha infância. Passava dois meses inteiros na fazenda de um tio por parte de pai. Ali, na adorável companhia de umas primas de Varginha, o único varão, me sentia como se fosse o maioral.

É como se fosse hoje que as desilusões começaram a infernizar-me a vida. Foram perdas que me fizeram sofrer. Primeiro perdi um cãozinho que tanto amava. Ele foi morto numa briga de rua, logo abaixo de minha casa. Ainda me lembro do seu funeral. Rebel foi sepultado num caixãozinho de tábuas brancas. Feito por mim. Em sua sepultura foram plantadas margaridas brancas. Que até hoje dão flores na minha imaginação.

Ainda me lembro como se fosse hoje. O dia da minha colação de grau. Foi naquele auditório que ainda existe. Naquele colégio onde meu neto ensaia os primeiros passos pelo caminho da educação.

Mesmo ao sabor dos anos não me esqueço de tantas coisas. O dia em que minha mãe nos deixou é um destes dias de muita dor. Durante o seu velório permaneci solitário durante toda a madrugada. Não fazia frio como hoje. Estava uma noite linda cheia de estrelas. Até hoje, acredito, uma delas é minha mãe.

É como se fosse hoje que me lembro do primeiro presente que recebi no dia de Natal. Foi uma bicicletinha de rodinhas amarelas. Delas me desfiz em pouco tempo. Não sem antes ver crescer na minha testa ancha alguns galos que ainda cantam.

É como se fosse agora que me vem as lembranças o dia em que meu primeiro neto veio ao mundo. Até parece que foi ontem. No entanto faz três anos.

E como é bom rememorar lembranças. São elas que nos tornam vivos. Fazem-nos rever o passado. Lembrar-nos das pessoas que tanto amamos.

É como se fosse hoje que percebi, num lugar ermo e escondido, uma caixinha embrulhada num papel de raro brilho.

Desembrulhei-a carinhosamente. Ali estavam guardados resquícios do meu passado.

Até hoje, quando o tempo me sobra, faço uma visita àquela casa. Foi lá que passei parte da minha infância. Naquela rua que daqui se avista. Neste dia cinzento. Nesta quinta-feira de outono.

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