Pra ele a vida continua

Antonino da Dona Zefa não se acostumava a ficar sem trabalho.

Acordava ao nascer do sol. Dormia ao empoleirar das galinhas. Almoçava cedo. E jantava antes das cinco da tarde.

Quase sempre, quando voltava da minha roça dava com sua carantonha alegre assentado aquele banco tosco de pedra. Isso quando retornava antes das cinco. Pois, assim que o relógio apontava quase seis e pouco dava com a porteira fechada. O bom Antonino já fazia meia noite. Dormia encolhidinho do lado da sua Zefa. Parceira de uma vida inteira. Consorciados há mais de sessenta longos anos.

A vida pra ela se resumia no trabalho duro. Empregado de um fazendeiro das vizinhanças a ele devotava toda a confiança do mundo.

Acontece que um dia Seu Antonino se aposentou. Eram muitos anos de trabalho. Sempre naquela fazenda onde hoje fica a sua morada.

Naquela casinha tosca Antonino criou filhos e neto. Que lhe deram bis.

Hoje, beirando os noventa anos, ele ainda trabalha. Faz bicos naquelas paragens isoladas do resto do mundo. Ainda me lembro de quando encomendei-lhe que fizesse um chiqueiro. Em poucos dias ele estava prontinho.

Na derradeira vez que parei a caminhonetinha junto a ele entabulamos um dedo de prosa.

Foram minutos inesquecíveis a falar da vida. Da situação aflitiva por que passa o mundo. Nestes tempos onde o tal vírus ameaça o sossego da população.

Foi ele quem começou a conversa: “quer saber, amigo Paulo. Eu, aqui nestes cafundós de Judas, pouco me importa se a tal doença pode se alastrar. Vivo entregue ao meu trabalho. Nunca irei mudar meu comportamento. O que me importa é a saúde das minhas vacas. Nunca irei exigir delas que usem máscaras. Ou que lavem o casco todas as vezes que vou ordenhá-las. Se uma das minhas vacas tossem jamais irei cobrir a minha cara. O que me importa mais um resfriado? Se tenho uma saúde de ferro. O tal álcool em gel não faz parte dos meus hábitos rurícolas. E nem mesmo vou me isolar dos meus amigos. Fazemos parte de uma comunidade de gente boa da roça. O que nos importa é o preço do leite. A safra de milho. A comida que nos enche a mesa. A fartura do campo. A alegria das nossas crianças. E quando a chuva cai? Que coisa boa vê-la despencar do céu. Sabe duma coisa? Pra mim a vida continua. Do mesmo jeitinho que dantes. Antes desta tal endemia preocupante já existiam outras enfermidades. E mundo ainda não acabou. E, se acabar amanhã, vou continuar do mesmo jeito. Feliz da vida e satisfeito”.

Em alguns minutos cheguei à cidade. Desliguei a televisão.

Nunca mais vou me preocupar com o noticiário.

De que valem tantas preocupações?

O que conta é viver segundo me ensinou o amigo Antonino. Pra ele tanto faz. Como tanto fez.

A vida continua do mesmo jeito. Apesar das más línguas que tentam impedir a nossa felicidade. Se preocupação fosse a solução eu nem sairia de casa.  Ficaria grudado às más notícias. Deixando as boas de lado.

Essa tal pandemia logo passa. Da mesma maneira que a uva vira passa.

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