Perspectivas sombrias

Naquela manhã de terça-feira Antero acordou com um estranho pressentimento.

Tudo indicava que iria chover.

Antes de dormir, naquela noite quente, pela televisão não se falava noutra coisa.

A tal endemia era a bola da vez. Pelo mundo inteiro só se ouvia noticias ruins. A Europa fechava fronteiras. O dólar foi às alturas. Pessoas eram confinadas como bois em período de engorda. Escolas antecipavam as férias. As ruas vazias indicavam que alguma coisa estava errada.

Idosos eram recomendados que não saíssem de casa. Medidas intempestivas eram anunciadas pela mídia sedenta de sangue.

Não bastasse a crise que assolava o país agora a situação iria piorar.

A tal pandemia ceifava vidas pelo mundo inteiro. O isolamento era evidente. O contato fraternal era desaconselhado. Abraços, afagos, carinho, deveriam ser banidos da espécie humana.

Mais e mais indivíduos desapareciam das ruas. O transporte coletivo mais e mais se esvaziava.

Empresas fechavam as portas. O comércio estava à mercê da bancarrota.

Foi naquela manhã, quente e úmida, que o velho Antero acordou.

Ao deixar a casa para ir à padaria encontrou a porta fechada. Caminhou alguns quarteirões. Debalde. Nada de encontrar qualquer estabelecimento aberto.

Voltou a casa antes das seis e meia. Aos setenta e cinco anos jamais assistiu a tal estado de calamidade pública.

A bancarrota era evidente. Fábricas demitiam constantemente.

Na parte da tarde Antenor continuou no seu isolamento.  Passou a tarde inteira dentro do seu exíguo apartamento. Só lhe restava assistir a televisão. Pelo noticiário das onze e meia foi recomendado que continuasse a usar máscaras. Lavar as mãos esfregando-as freneticamente.

Durante a noite, indormida, teve um sonho. Sonhou que estava numa ilha deserta. Apenas um coqueiro isolado fazia-lhe companhia. Tubarões rondavam a sua morada.

No dia seguinte, uma quarta-feira, saiu às ruas para comprar mantimentos. O supermercado estava desabastecido. Filas enormes se formavam a porta do supermercado. Todos usando máscaras evitando o contato com seus semelhantes.

Semanas se passaram. O país inteiro parecia viver um pesadelo. Ruas vazias. O desemprego crescente.

Só se falava naquela endemia. Mortes eram vistas pela televisão.

Faltavam leitos na saúde pública.  O mundo inteiro parecia enfrentar uma guerra contra o tal coronavirus. E quem mais sofria era a população.

Enfim o fim do ano se anunciava. Era quase tempo de Natal.  As ruas ainda vazias.  A tal pandemia ainda não tinha controle. Faltavam alimentos para a população.

Naquele mês de dezembro, véspera das festas de final de ano, Antenor acordou com um estranho pressentimento.

Deixou a cama tossindo. Uma febre de natureza desconhecida apoderou-se daquele corpo exausto. Foi diagnosticado com o coronavirus.

Foi internado em estado lastimável. E acabou se despedindo da vida durante a noite de Natal.

Hoje mesmo, ao assistir o noticiário das seis e meia, acabei me inteirando da tal pandemia. Não se fala noutra coisa. Parece que o mundo vai acabar envolto num mar de vírus. Até quando?

São perspectivas sombrias. Tomara sejam apenas conjecturas minhas. E tudo não passa de um sonho ruim. Um pesadelo que um dia vai terminar.

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