A cada nascer do dia um recomeço

Encarar a rotina do dia após dia não tem sido fácil.

Principalmente quando já vivemos grande parte da vida.

Sempre a mesma hora. Quando o relógio assinala cinco da manhã. Faça chuva ou desponte o sol. A gente desperta. Olha pela janela. Lá fora o dia se mostra nublado. Ou até mesmo chuvoso. E tem de levantar num ímpeto. Lavar o rosto na água fria do banheiro. Escovar os dentes. Pentear o que nos resta dos cabelos. E deixar a casa quando muitos ainda dormem.

A cada dia um recomeço. Até quando? Indago.

Melhor não saber a resposta. E sim ir caminhando a passos seguros até onde a nossa vontade dita.

No meu caso são muitos anos de trabalho. Alguns anos mais de quarenta. Quase cinquenta.

E não me sinto cansado pela lida constante. E sim um tanto desiludido com os caminhos por que a medicina se enveredou.

Nos primeiros anos de graduado a coisa era diferente. Não tinha de me desdobrar entre dois ou mais empregos. O que percebia na minha lida de consultório era suficiente para ter uma vida folgada. Ainda não havia constituído família. Era apenas eu e meus sonhos. Que, com o tempo, esboroaram-se como a nuvem que se transformou de cinza em branco diáfano.

Depois, com o passar dos anos, a coisa mudou diametralmente.

Passei, com a idade chegando, a manter o mesmo ritmo alucinante dos anos primevos.

Acordo ao nascer do dia. A partir das oito recomeço a minha rotina de médico. Aproveito as horas de solidão para escrever o que minha imaginação dita.

A cada dia um recomeço. As primeiras horas do dia não são tão fáceis como eram antes.

Agora, com o tempo passando, com a idade avançando, vou por aí. Aproveito a disposição que ainda tenho. Por quanto tempo mais? Prefiro ignorar.

Já ultrapassados os setenta, neste novo ano que se inicia, considero a cada dia um novo alento. Não tenho do que me lastimar.

A saúde não me abandonou. A clarividência ainda a tenho. O desejo de ir adiante sempre me acompanha. Nos bons e maus momentos.

A cada manhã, a cada dia, considero uma nova conquista. Mesmo que a rotina seja enfadonha. Fazer tudo sempre igual, acordar a mesma hora costumeira, escovar a dentição já imperfeita, lavar o rosto sonolento, tomar um cafezinho frugal, e deixar a casa sempre à mesma hora, ainda faz parte da minha vida.

Espero que tudo isso continue. Da mesma forma que tenho vivido.  Mesmo que seja na mesma rotina de sempre.

A cada nascer do dia um recomeço. E espero recomeçar do mesmo jeito. Enquanto meu desejo perdurar. E meu tirocínio permitir.

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